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Leandro Vilar

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Napoleão: o caminho para o poder

"A palavra impossível não é francesa".
Napoleão Bonaparte, 1813.

Napoleão Bonaparte um dos homens mais famosos, imponentes, controversos e polêmicos da História, o qual de simples tenente conseguiu alavancar uma rápida carreira militar que poucos conseguiram se igualar em vida, tornando-se um hábil estrategista, conquistando importantes vitórias consecutivas que o levaram não apenas a ganhar prestígio entre o Exército, mas também na conturbada república francesa recém criada a partir da deflagração da Revolução Francesa em 1789. 

Homem de temperamento sério, sagaz e ambicioso, Napoleão conseguiu abrir caminho na hierarquia militar, até finalmente realizar seus golpes e artimanhas políticas que lhe colocaram em posições de grande influência, para anos depois ter se tornado cônsul e depois imperador. 


Devido a extensão do texto, optei em dividir a história sobre Napoleão em dois trabalhos. Neste primeiro, o foco se deu em se abordar sua vida desde seu nascimento em 1769 até o ano de 1799, quando com o Golpe de 18 de Brumário, Napoleão se tornou cônsul. Mas além desses aspectos biográficos sobre o general Bonaparte, esta parte do trabalho também procurou enfatizar questões políticas, sociais e militares da França durante sua fase revolucionária, mostrando como que Napoleão conviveu e se relacionou com a queda da monarquia e a instauração de uma conturbada república. 

A Córsega e os Bonaparte: 

A Córsega é uma das maiores ilhas do Mediterrâneo, embora seja pequena se comparada a outras ilhas do mundo. Possuindo uma área de 8.680 Km², é a ilha geograficamente mais alta do Mediterrâneo, sendo que grande parte de seu território é dominado por montanhas, serras e vales.

Situada ao oeste da Itália, norte da Sardenha e sul da França, a Córsega é uma das mais belas ilhas do Mediterrâneo, de clima temperado, possuindo verões que chegam aos 30 C, e invernos que podem chegar a zero grau nas regiões mais altas. A ilha embora montanhosa, é rica na produção de azeite e na criação de caprinos, sendo o pastoreio uma atividade que remonta há seculos naquela região. 


Mapa da Itália e alguns países vizinhos. Ao lado esquerdo as ilhas da Córsega e da Sardenha. 
Quando Napoleão nasceu em 15 de agosto de 1769, na cidade de Ajaccio, a capital da ilha, a Córsega havia há um ano tornando-se território francês, pois desde o século XVI, os genoveses controlavam a ilha, o que incluía-se o fato de que a Córsega era território insular da República de Gênova. E este contexto político estava bastante próximo dos Bonaparte devido ao fato de que Carlo Maria Bonaparte (1746-1785), o pai de Napoleão, estava engajado na luta pela independência da Córsega, assim como, era amigo do líder revolucionário Pascal Paoli (1725-1807). 

Paoli viveu alguns anos na Itália, principalmente em Nápoles, vivendo em exílio com seu pai Giacinto. Lá os dois ingressaram no exército, e em 1755, Pascal Paoli retornou a Córsega e foi convidado a liderar as milícias rebeldes as quais lutavam pela independência da ilha perante o governo genovês. Graça a sua experiência militar, sua formação em política, filosofia e história, Paoli conseguiu vencer o exército genovês e ganhar a eleição para ser chefe do novo governo o qual ele ajudou a criar ao escrever junto a alguns juristas, a Constituição Corsa de 1755, importante documento constitucional que antecede a Constituição dos Estados Unidos (1787) e a Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos (1791) dos franceses. 

Pascal Paoli foi amigo do pai de Napoleão Bonaparte, líder revolucionário responsável pela independência da Córsega. 

Com a constituição, Pascal Paoli declarava a criação de uma república na Córsega, a independência de Gênova, a separação do governo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, aqui uma clara influência de Montesquieu, a quem Paoli admirava o trabalho; como também instituiu o sufrágio universal. Assim a Córsega tornava-se a primeira república europeia do século XVIII, que possuía uma constituição que serviria de modelo para os americanos e franceses anos depois. Filósofos como Jean-Jacques Rousseau chegaram a admirar a medida tomada pelos corsos. 

Carlo e Maria, os pais de Napoleão. 

Pascal Paoli foi eleito presidente e governou de forma ininterrupta até 1768. Durante seu governo, um jovem dedicado e patriótico advogado de nome Carlo Bonaparte ganhou sua confiança e admiração, tornando-se seu amigo e um de seus protegidos (MARKHAN, 1963, p. 7). Bonaparte passou a ser um dos principais defensores da política de Paoli, chegando a lutar em algumas batalhas e a assumir cargos no governo, embora como será visto adiante, ele não fosse tão leal assim. Em 1764 casou-se com Maria Letizia Ramolino (1750-1836) com quem teve 12 filhos, embora que apenas oito chegaram a fase adulta. 

A Família Bonaparte. Carlo, Maria, José, Napoleão, Luciano, Elisa, Luís, Paulina, Carolina e Jerônimo. 

Em 1768, foi assinado em Versalhes na França, um acordo entre os franceses e os genoveses no qual a república genovesa cedia o território corso em troca de quitar as suas dívidas com o reino francês. Na época tal acordo gerou polêmica entre os outros países e foi terrivelmente mal aceito pelos corsos. Embora Paoli tenha decretado a independência da Córsega, Gênova nunca reconheceu tal independência e com a França isso não foi diferente. O governo francês decidiu tomar a ilha que agora legalmente lhe pertencia, e para se fazer isso eles usariam a força se fosse necessário.

De fato a força foi usada. O governo francês do rei Luís XV enviou exércitos para conquistar a ilha. Paoli revoltado contra o golpe baixo dado pelos genoveses convocou os cidadãos a pegarem em armas e lutarem para manter sua liberdade. Algumas batalhas ocorreram naquele ano de 1768 e começo de 1769, mas as tropas corsas foram derrotadas, e Pascal Paoli vendo que não teria chance de manter a resistência partiu em exílio para a Londres. Quando Napoleão nasceu em 1769, legalmente a Córsega era território francês. 

Formação escolar e o ingresso no exército (1779-1785): 

Carlo Bonaparte anos depois em sua autobiografia teria dito que pretendeu partir em exílio com Paoli, mas devido a sua família, neste caso, sua esposa, seu filho José, além do fato de que Maria se encontrava grávida de Napoleão na época, acabou desistindo da viagem. Mas o curioso é que logo após o governo francês assumir a administração da Córsega, Carlo Bonaparte fechou acordo com os franceses a fim de não ser considerado um traidor ou rebelde, e assim voltou a trabalhar no governo corso, vindo a conquistar a simpatia e amizade do governador francês, anos depois. 

A respeito da infância de Napoleão e seus irmãos pouco se sabe acerca, no entanto, quando tinha nove anos de idade, e seu irmãos José contava com dez anos, Carlo decidiu enviar os dois filhos mais velhos para estudar fora, neste caso, não seria fora da cidade, mas fora da ilha. 

Era o ano de 1779, e nessa época Carlo Bonaparte era amigo do governador Louis Charles René, Conde de Marbeuf (1712-1786), o qual graças a sua influência e contatos conseguiu arranjar bolsas de estudo em importantes escolas francesas. José e Napoleão foram enviados ao Colégio de Autun, porém Napoleão permaneceu ali por três meses, sendo transferido para a Academia Militar de Brienne, no nordeste da França, pois seu pai tinha planos que o filho seguisse carreira militar. 

"Brienne era uma das doze escolas militares reais, fundadas e organizadas pelo Ministro da Guerra em 1776 para filhos de nobres e a matrícula nas mesmas exigia rigorosas provas de ascendência nobres bem como recomendação de personalidades fluentes. Carlo Bonaparte conseguiu apresentar provas de linhagem nobre desde o século XVI, quando seu ramo da família Bonaparte deixara Gênova para estabelecer-se na Córsega". (MARKHAN, 1963, p. 8).

Napoleão permaneceu em Brienne-de-Château de 1779 a 1784, quando concluiu seus estudos. Nessa época segundo atesta Markhan (1963, p. 9) Napoleão era um garoto reservado, sério e de poucos amigos. Não era um aluno que tirava boas notas, porém se saia muito bem em matemática e história, duas disciplinas que gostava bastante. Mas embora não fosse um aluno exemplar, Napoleão vários anos depois quando se tornou imperador, ofereceu pensões aos seus professores em recompensa ao trabalho que tiveram em ensiná-lo. 

Pintura retratando Napoleão em meio aos alunos da Academia Militar de Brienne, durante uma batalha de bolas de neve

"Um dos traços mais amáveis de seu caráter que manteve quando Imperador -e, como seu sentimento de fidelidade, coisa tipicamente corsa - era o lembrar-se dos amigos e professores de sua juventude. Quase todos eles receberam pensões e nomeações. Sua antiga governante esteve presente à sua coroação e foi apresentada à corte. Alguns de seus professores, embora não todos, descobriram a profundeza oculta em seu caráter". (MARKHAN, 1963, p. 9).

Entretanto, Napoleão era bom não com todo mundo, mas a quem convinha sê-lo, mas adiante veremos que na guerra ele em dados momentos chegou a ser implacável com os inimigos, ordenando atos de atrocidade. De qualquer forma, em 1785, quando havia concluído os estudos na academia militar, naquele ano, seu pai faleceu aos 39 anos de idade e Napoleão tinha seus 16 anos. Embora fosse o segundo filho, seu temperamento e maturidade precoce acabaram por levá-lo a se tornar o senhor da casa no lugar de seu irmão José. Mas se não bastasse ter que assumir tal responsabilidade logo cedo, Napoleão tinha que cuidar de sua mãe e de seus sete irmãos; sendo que seis deles eram bem mais novos. 

Mas embora tivesse tal responsabilidade em mãos, Napoleão não havia voltado para casa. Ao concluir a escola, ele prestou prova para ser cadete em Paris. Para lá ele seguiu, e graças a suas altas notas em matemática, conseguiu vaga no regimento de artilharia. Assim aos 16 anos de idade Napoleão Bonaparte ingressava no exército francês não como cadete, como inicialmente cogitava, mas graças as suas notas, ele entrou no exército já como segundo tenente (RIVOIRE, 1967, p. 4). Sendo designado para o Regimento de la Fère, o qual ficava aquartelado em Valence, no vale do rio Rhône (MARKHAN, 1963, p. 9). 

O início da carreira militar e a entrada na política (1785-1791): 

A partir de 1785 oficialmente Napoleão passou a servir no exército francês, no entanto, pelo fato de pertencer a aristocracia corsa e ter uma leve ascendência da pequena nobreza italiana, isso naquele tempo lhe rendia alguns privilégios, como conseguir licenças. Entre 1786 e 1788, ele tirou várias licenças, com as quais usou para visitar Paris e ir visitar a família em Ajaccio. Todavia, no ano de 1789 eclodiu a Revolução Francesa (1789-1799), a qual tomou os franceses de surpresa. 

Napoleão por ser um admirador de Pascal Paoli, de Jean-Jacques Rousseau e de outros filósofos iluministas não achou ruim a ideia de se derrubar a decadente corte de Luís XVI e Maria Antonieta e se tentar instaurar uma república. É preciso destacar que nessa época de sua juventude, Napoleão era um republicano, inclusive defendeu a república revolucionário pelos anos seguintes, como será visto, no entanto, vários anos depois ele mudou de opinião, e passou a apoiar a monarquia. 

Napoleão não foi o único jovem a se engajar no movimento revolucionário, vários outros jovens que estavam no exército também tinham pensamentos iguais; em si, parte do exército francês era a favor da revolução, e isso fica claro quando notamos o fato de que Versalhes, onde ficava a Corte, foi invadida e os monarcas foram feitos prisioneiros, e o exército fico de braços cruzados quanto a isso. Posteriormente, alas que eram monarquistas entrariam em conflito contra as alas republicanas. 

No entanto, antes de darmos prosseguimento ao assunto, vejamos por quais motivos a Revolução Francesa foi deflagrada naquele ano. Tudo se desenvolveu no reinado de Luís XVI, o qual assumiu o trono em 1774 aos vinte anos de idade, sucedendo seu avô Luís XV. O novo monarca era coroado a contra gosto, pois Luís XVI era conhecido por ser um jovem tímido, relapso e imaturo aos assuntos políticos. Pelo fato de que os filhos de Luís XV haviam todos morrido, Luís XVI era o único herdeiro direto, logo teve que assumir o trono, mesmo se sentindo despreparado para isso.

Quando ele assume o governo, as finanças do Estado estavam em crise, pois seu avô também não havia sido um bom administrador, tendo gasto muito dinheiro com guerras e com luxo, assim, o novo governo se iniciava com base no déficit orçamentário da administração anterior. E para complicar ainda mais as finanças, Luís XVI tomou a decisão de apoiar os americanos na sua revolução iniciada em 1775, na qual originaria a criação dos Estados Unidos. O apoio francês foi mantido ao longo de vários anos, o que acarretou em enormes despesas aos cofres públicos. 

Somando-se a essa crise financeira, isso acabou descontentando não apenas a nobreza, mas principalmente a burguesia, que naquela época havia se tornado uma classe social bastante próspera e influente. De fato haviam burgueses que eram mais ricos que alguns nobres, os quais viviam de aparências, mas na prática estavam falidos. O modelo do Antigo Regime estava em cheque. Até então com base neste regime, a nobreza e o clero sempre foram isentos de pagar impostos, sobrando ao restante da população sustentar seus privilégios, e isso estava chegando ao limite.

"Com tantos burgueses se comportando como nobres e tantos nobres procedendo como burgueses, é difícil encontrar uma evidência de conflito de classes entre eles. Na verdade é difícil até identificá-los como classe, quer adotemos uma definição marxista de classe baseada na função econômica e na consciência de classe, ou uma definição mais geral como a proposta por Marc Bloch, que escreveu que consideraria como da mesma classe aquelas pessoas 'cujos modos de vida fossem bastante similares e cujas circunstâncias materiais fossem próximas o bastante para não criar nenhum conflito de interesse". (BLANNING, 1991, p. 20). 

Na tentativa de contornar os problemas financeiros, o rei ordenou reajustes fiscais e o aumento de impostos, o que desagradou bastante o chamado "Terceiro Estado", o responsável por pagar os impostos. A carga tributária subia e com isso as despesas duplicavam ou até mesmo triplicavam, o que se tornou mais um motivo para irradiar a revolta da população.

Por outro lado, havia também os complôs que se desenvolviam entre a elite burguesa e letrada, bastante influenciada pelos ideais iluministas como o republicanismo, democracia, direitos civis, constituição, fim dos privilégios da nobreza e do clero; laicização do Estado, fim da tributação feudal (embora o feudalismo tenha acabado no final da Idade Média, impostos feudais ainda eram cobrados naquele tempo), etc. De fato, foram os burgueses que lideraram e comandaram a revolução, os quais não estavam preocupados com o restante da população, mas visavam apenas seus interesses. 

Somando-se a esse posicionamento político que já se mostrava contrário a manutenção de um regime monárquico, a desqualificação do rei e até mesmo sua falta de zelo e competência para reinar, era um dos motivos que se somavam a outros que circulavam pelos jornais e pela boca do povo. Os exorbitantes gastos da corte indignavam a população que vivia em miséria. A rainha Maria Antonieta foi duramente criticada nestes jornais, sendo chamada de egoísta, ostentadora, esnobe e até mesmo de depravada, pois corriam boatos que ela tinha vários casos; por outro lado, o rei Luís XVI devido a fimose, demorou vários anos para ter filhos, o que chegou a despertar boatos que ele fosse homossexual ou impotente. Assim nota-se que a corte de Luís XVI não possuía respeito e era desmoralizada socialmente. 


Luís XVI e Maria Antonieta, rei e rainha de França. 

Por fim o último grande fator que levou a desencadear a revolução em julho de 1789, foi a fome. Em 1787 houve um surto de fome, o qual voltou a ocorrer em 1789. Devido a longos invernos e colheitas frugais, a população rural não tinha o que comer, e por outro lado, a escassez de alimentos, principalmente farinha de trigo, levava os comerciantes a aumentarem abusivamente o preço da mercadoria. 

"Os agricultores não podiam obter cereais em quantidade suficiente para alimentar grande número de animais e não tinham gado bastante para produzir o adubo capaz de fertilizar os campos e aumentar a colheita". (DARNTON, 1986, p. 42).

"Para a maioria dos camponeses, a vida na aldeia era uma luta pela sobrevivência, e sobrevivência significava manter-se acima da linha que separava os pobres dos indigentes. [...]. Assim, uma sucessão de más colheitas podia polarizar a aldeia, levando as famílias marginais à indigências, enquanto os ricos ficavam mais ricos". (DARNTON, 1986, p. 45).


A fome inicialmente foi sentida nas aldeias, vilarejos e pequenas vilas, depois começou a chegar as vilas maiores e as cidades, até que em 1789 ela havia chegado a Paris. Enormes filas se formavam diante de padarias, mercearias e mercados para se comprar pão, farinha, legumes, queijo, leite e frutas (carne nem havia para vender). Todavia, a escassez chegou a tal ponto que estes estabelecimentos ficaram sem estoque e a população esfomeada tornou-se agressiva. Confusões, brigas, ataques a lojas começaram a ocorrer. Os sinais da fome e da miséria se espalhavam pelas ruas de Paris, então a burguesia decidiu agir, e em 14 de julho de 1789 a Bastilha, antiga fortaleza usada naquela época como prisão para presos políticos, foi invadida e destruída. A Queda da Bastilha tornou-se o marco de inauguração da Revolução Francesa. 

Pintura retratando o ataque a Bastilha em 14 de julho de 1789. Tal acontecimento tornou-se o marco de início da Revolução Francesa. 

Após essa breve recapitulação quanto alguns dos fatores que levaram a eclosão da Revolução Francesa, retornemos a Napoleão e sua recepção quanto ao início de todo esse processo e como ele aderiu a isso tudo. 

"Na Revolução, Napoleão via principalmente uma oportunidade para a libertação da Córsega, que ainda dominava seus pensamentos juntamente com Rousseau. Estava fazendo planos para escrever uma história da Córsega e redigiu um memorando para ser enviado a Necker (Lettre sur la Corse)". (MARKHAN, 1963, p. 10).

Jacques Necker (1732-1804) era um economista e político suíço, eleito pelo rei para assumir o cargo de Inspetor-geral das Finanças. Necker era um adepto de ideias liberais e reformistas, porém manteve-se neutro, preferindo não criar problemas com o rei, mas após a prisão do monarca, Necker decidiu agir, tornando-se um dos nomes principais nos primeiros meses da revolução.

Entretanto, enquanto a revolução se desenrolava em Paris e nos arredores, Napoleão estava na Córsega de licença militar. De volta a sua terra natal, Napoleão engajou-se na política. No final do ano de 1789, a Assembleia Constituinte decretou que a Córsega passava a fazer parte do território francês, estendendo aos seus habitantes os direitos civis dos cidadãos franceses. Assim, os corsos eram legalmente cidadãos franceses. Tal direito permitiu que no ano seguinte Pascal Paoli retornasse a ilha, e dessa forma, Napoleão conheceu seu ídolo revolucionário. 

Tumultos na Córsega (1792-1793):  

De início Napoleão forneceu seu apoio a Paoli, o qual assumiu cargos no governo da ilha, unindo-se a oposição. Porém, com o término da licença de Napoleão, ele teve que retornar ao continente, voltando ao serviço. 

"Na reorganização do exército em 1791, Napoleão foi promovido a primeiro-tenente e designado para o regimento de Grenoble, aquartelado em Valence. Em agosto de 1791, conseguiu nova licença, alegando que seu tio estava morrendo e grandes propriedades tinham sido deixadas para a sua família no testamento". (MARKHAN, 1963, p. 11).

Ao retornar a Córsega, Napoleão foi nomeado para compor o batalhão de voluntários corsos, que de certa forma era um rebaixamento, porém ele se negou a comparecer ao batalhão, mesmo com pena de ser expulso do exército. Porém, voltando atrás da decisão, conseguiu se tornar subcomandante do batalhão, mesmo que tenha se válido de métodos antiéticos. É preciso assinalar que Napoleão sabia agir com desonestidade quando fosse preciso, mesmo que significasse ter que mandar agredir ou matar adversários, sequestrar, subornar, etc. 

Ainda em abril de 1792, eclodiu uma revolta na capital corsa Ajaccio, então o batalhão de Napoleão foi convocado para apaziguar a revolta. Segundo consta processo militar aberto contra ele pelo político Pozzo di Borgo, este dizia em seu relatório que Napoleão ordenou que seus homens agissem com força bruta, tendo ferido vários civis. Borgo denunciou o excesso de violência a Câmara dos Deputados da ilha e depois enviou o processo para a Assembleia Legislativa em Paris, solicitando punição para Napoleão. Vendo que a situação estava problemática para seu lado, então decidiu retornar a Paris e apresentar suas desculpas e explicações. 

"Em 10 de julho o Ministro da Guerra aceitou a desculpa dada por Napoleão e lhe restituiu a comissão, no posto de capitão, mas o jovem corso não regressou ao serviço ativo, pois já tinha um pretexto para voltar à Córsega: o convento no qual sua irmã Elisa era aluna ia ser dissolvido e ele precisava acompanhá-la de volta à Córsega". (MARKHAN, 1963, p. 12).

Estando novamente de volta à Córsega, Napoleão foi convocado para participar do ataque a cidade de Cagliari, capital da Sardenha, ilha situada ao sul da Córsega. O ataque a Cagliari correu nos idos de 1793, sendo a primeira missão de Napoleão em território estrangeiro. Todavia o ataque falhou devido a falta de empenho dos soldados, o que irritou bastante Napoleão. Com o fracasso da invasão ele retornou a Córsega e prestou suas queixas, todavia a situação na ilha piorou nas semanas seguintes. 

Localização da cidade de Cagliari, capital da Sardenha, a qual em 1793 foi atacada sem sucesso por Napoleão. 

Naquele ano de 1793, a França voltou a entrar em guerra com a Inglaterra. Pascal Paoli que havia passado vários anos em exílio em Londres, era visto com desconfiança. No caso da Córsega, a facção de Paoli estava em ferrenha disputa com a facção de Pozzo di Borgo e do deputado Antonie-Christophe Saliceti. Paoli como visto defendia a independência da Córsega, já Borgo e Saliceti eram jacobinos (membros de extrema-esquerda). As duas facções estavam em disputa pelos cargos executivos da ilha. 

José Bonaparte, o irmão mais velho de Napoleão, o qual era político, perdeu a eleição em 1792 para Paoli, o que gerou descontentamento com este, já que sua família há vários anos o apoiava; para piorar, Luciano Bonaparte denunciou Paoli e Borgo, no que resultou no mandato de prisão aos dois. Hoje questiona-se que Luciano tenha agido de má fé, forjando um falso pretexto para denunciar os dois. Tal denúncia fez Pascal Paoli se irar com os Bonaparte. Tanto José e Napoleão também ficaram irritados com a calúnia feita por seu irmão. 

Napoleão tentou interceder em favor de Paoli, solicitando que a denúncia fosse retirada, mas a justiça se negou, então Paoli decidiu resistir, não seria preso, e assim deu início a uma rebelião. Seus seguidores formaram uma milícia e tomaram o controle da cidadela de Ajaccio. Napoleão naquele momento se viu dividido em apoiar seu ídolo e acatar as ordens lhe designadas. O exército corso foi ordenado a por um fim naquela rebelião e prender Paoli e seus cúmplices. 

Napoleão que era capitão do batalhão de voluntários corsos teve que acatar as ordens. Ele ordenou o ataque a cidadela, mas estando em conflito pessoal, não apto a lutar e comandar naquele dia, então para não ser feito prisioneiro dos rebeldes, abandonou a luta e foi se reunir a Salicetti. Tal ato pois fim a amizade entre os Bonaparte e Paoli para sempre. Os paolistas foram bastante severos e condenaram os Bonaparte como sendo traidores. 

Depois de tais acontecimentos, Napoleão desistiu da política corsa, então se retirou da ilha com a família. Voltando a França, lhe foi designado uma nova campanha, ir combater os ingleses que haviam tomado o controle do importante porto de Toulon. Pascal Paoli permaneceria na Córsega até 1795, tentando proclamar a independência da ilha novamente, mas sem obter sucesso, e com a ameaça de ser preso, ele decidiu voltar ao exílio. 

O cerco de Toulon (1793): 

"O verão de 1793 foi, talvez, o mais perigoso momento atravessado pela Revolução. A expulsão dos deputados girondinos da Convenção, em 2 de junho, sob pressão armada da Comuna de Paris, fez levantar-se metade das províncias francesas, principalmente no Sul, em revolta contra a autoridade de Paris e da Montanha (Montagne). Ao fim de agosto, a facção girondina e os monarquistas entregaram Toulon às frotas inglesa e espanhola". (MARKHAN, 1963, p. 14). 

O ano de 1793 caminhava para sua fase mais turbulenta da Revolução Francesa. Em 1791, a Família Real tentou fugir, mas foram capturados próximo da fronteira com a Áustria. No mesmo ano, o rei Luís XVI foi obrigado a assinar a Constituição Francesa, a qual deu origem a Assembleia Legislativa, que por sua vez substituía a Assembleia Nacional de caráter temporário, instaurada em 1789. Todavia, a nova assembleia tornou-se o palco das lutas partidárias entre quatro partidos: os girondinos, os jacobinos, os cordelliers e os sans-culottes.

Os girondinos eram os deputados inicialmente eleitos do Departamento de Gironde, os quais a maioria pertenciam a burguesia, sendo de direita moderada e defensores de uma monarquia parlamentarista. Em outras palavras, os girondinos lutavam para que o rei Luís XVI retornasse ao governo, mas perdendo sua autoridade para a criação de um parlamento aos moldes do Parlamento inglês. 

Os jacobinos eram um grupo de que se reuniam no Convento Dominicano de São Tiago (em latim, Tiago se escreve Jacob, daí jacobino) eram de esquerda, inicialmente moderados, se tornaram radicais a partir de 1792, chegando aos extremos em 1794, principalmente devido a liderança de Maximilien de Robespierre. Os jacobinos também na sua maioria eram formados por burgueses, porém eram defensores da república. 

Por sua vez, os cordelliers possuíam esse nome pelo fato de seu clube se reunir no Convento Franciscano dos Cordelliers de Paris. Eram na maioria moderados, defendiam uma república, mas lutavam principalmente para melhorar as condições de vida dos pobres e da pequena burguesia. Em termos de hoje, os cordelliers seriam "populistas". 

Os sans-culottes eram formados por homens das classes mais baixas, os quais se diziam serem os verdadeiros representantes do povo, pois enquanto os girondinos, jacobinos e cordelliers na maior parte eram burgueses, nobres e clérigos, os sans-culottes eram na maioria artesãos, camponeses, comerciantes, funcionários públicos de cargos baixos, funcionários liberais, etc. Em muitos casos, os sans-culottes eram os mais agitados, fazendo passeatas, erguendo barricadas, entrando em conflito com a polícia, etc. 

Todavia, os sans-cullotes não possuíam muita voz ativa na Assembleia, restando aos outros três partidos a direção do país. No entanto, um último dado a ser dito a respeito das tribunas das seções da Assembleia Legislativa tem a ver com a própria postura política entre os partidos. As tribunas ficavam localizadas na direita e na esquerda, e normalmente os girondinos e cordelliers se sentavam na direita, enquanto os jacobinos ocupavam a esquerda. No entanto, além dessa divisão, as tribunas eram altas, então havia os que se sentavam em cima, os quais foram apelidados de "Montanheses" e os que se sentavam em baixo, sendo apelidados de "Planícies". 

Os "montanheses" independente de qual partido pertencia, curiosamente eram os mais radicais, não sendo a toa que nomes como Robespierre, Danton e Marat se sentavam em cima. Já os "planícies" eram mais moderados. Logo, devido a essa divisão vertical, nota-se que embora os jacobinos fossem radicais, os "jacobinos montanheses" eram ainda mais radicais. E embora os cordelliers como Danton e Marat fossem em geral moderados, os dois eram "cordelliers montanheses", logo, eram radicais. 

Explicada essa organização partidária, agora se percebe que com a expulsão dos girondinos, os quais eram monarquistas, estes decidiram contra-atacar os republicanos, passando a apoiar os inimigos de França, pois acreditavam que caso Inglaterra, Espanha ou outro país conseguisse intervir, retirariam os "montanheses" do poder, libertariam o rei e instaurariam uma monarquia parlamentarista. E para se realizar tal plano, o porto de Toulon, um dos mais importantes portos no sul da França foi tomado pelos girondinos e proposto em barganha. 

Mapa da França, em destaque a capital Paris, e no sul, a cidade de Toulon. 

A Convenção Geral a qual em 1792, substituiu a Assembleia Legislativa, sendo que a maioria dos deputados da Convenção eram jacobinos, ordenou que tropas fossem enviadas para resgatar Toulon. Naquela época de 1793, Napoleão pretendia seguir para a Divisão do Reno, mas foi redirecionado para o sul do país, pois sendo capitão de artilharia, foi enviado para lutar no cerco de Toulon. Além do fato de fazer parte da artilharia, Napoleão era um jacobino, e mesmo antes de ter-se filiado ao partido em 1791, ele já era um republicano. Saber da ameaça de monarquistas a república, foi um fator a mais para se empenhar naquela batalha. 

Os generais Jean François Carteaux, o qual comandava a "Divisão dos Alpes" e Jean François Cornu de La Poype, o qual comandava a "Divisão da Itália", eram os principais no comando daquele cerco que se iniciou em setembro. No mês de novembro chegou o general general Jacques François Coquille (1738-1794), mais conhecido como Dugommier, para reforçar as frentes de batalha e promover nova ordem e comando, pois Carteaux e La Poype estavam desmoralizados pelas derrotas contínuas. 

Retrato do general Dugommier. 

O cerco de Toulon não foi uma batalha fácil, os ingleses e espanhóis que apoiavam os franceses monarquistas estavam em um bom número, bem instalados e abastecidos. De fato o cerco durou quase três meses, nos quais as tropas republicanas tiveram vários problemas um atrás do outro. Napoleão que havia chegado em setembro, testemunhou todos esses embaraços e problemas enfrentado pelo comando dos generais Carteaux e La Poype; com a chegada de Dugommier em novembro a situação começou a mudar um pouco. 

Todavia, Napoleão decidiu agir. Entrando em contato com seu amigo, o deputado Saliceti, o qual estava presente no cerco, como representante do povo, conseguiu ganhar apoio a fim de apresentar seus planos para tomar a fortaleza ocupada pelo inimigo. O Comitê de Segurança Pública acabou aceitando a proposta de Bonaparte, então Dugommier foi comunicado sobre os planos do jovem capitão de 24 anos. Em 14 de dezembro os planos de Napoleão foram postos em ação, nos três dias seguintes as tropas republicanas conquistaram importantes vitórias, as quais levaram a rendição do general francês Eguillette, e por sua vez, seus aliados ingleses e espanhóis retiraram o apoio e deixaram o campo de batalha. 

Mapa do cerco de Toulon, com a disposição das principais fortificações e das baterias de artilharia. 

De forma brilhante, Napoleão em quatro dias conseguiu por fim, a um cerco que durava quase três meses. Em recompensa por tal brilhante manobra militar, Napoleão foi nomeado tenente-coronel. Embora que as homenagens não pararam por aí.

"Du Teil e Augustin Robespierre enviaram relatórios efusivos a Paris narrando o papel desempenhado por Napoleão na vitória. Escrevendo a seu irmão, Augustin descreveu Napoleão como "um general de artilharia de mérito transcendental" e o incluiu numa lista de patriotas dignos. Em fevereiro de 1794, Napoleão foi promovido a general-de-brigada e escolheu como ajudante dois jovens oficiais, Marmont e Junor, que se tinham tornado seus amigos íntimos durante o sítio". (MARKHAN, 1963, P. 16). 

A vitória em Toulon tornou Napoleão Bonaparte, um jovem de 24 anos, que chegou como capitão e saiu como coronel, e posteriormente tornou-se general. Napoleão agora estava no auge de sua reputação, ainda mais após a vitória em Toulon, no entanto, os anos de 1794 e 1795 seriam conturbados para toda a França, e Napoleão não escaparia disso.

Carreira por um triz (1794-1795):


Desde 1792 os jacobinos vinham governando a França, por seus deputados ocuparem a maior parte dos assentos da Convenção Nacional. Em resposta a essa superioridade, em 1793 foi criado o Comitê de Salvação Pública, inicialmente comandado pelo cordellier George Danton. O comitê tinha como principais funções comandar as atividades militares e as finanças públicas. Por sua vez, foi criado o Comitê de Segurança Geral, o qual agia com autoridade executiva e judiciária para investigar, julgar e condenar os crimes políticos contra a revolução. 

Nenhum dos dois comitês de início estavam sob a autoridade dos jacobinos, mas em meados do ano de 1793, após o golpe dos jacobinos que levou a perseguição e expulsão dos girondinos, a situação se complicou drasticamente; os jacobinos e os cordelliers da "Montanha" assumiram o controle da Convenção, dando início a uma fase bastante tensa para o país. Naquele ano o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta haviam sido guilhotinados, e com eles outras milhares de pessoas foram juntos. 

Os girondinos em parte fugiram para o sul e tomaram Toulon, entregando o porto aos ingleses e espanhóis, e como visto, Napoleão foi o responsável por por fim aquele impasse. Todavia, o Terror como ficou conhecido o período que vai de meados de 1793 a 1794, ainda continuava a fazer cada vez mais vítimas. Os jacobinos passaram a agir de forma tão severa que muitos opositores eram indevidamente presos e condenados a morte. Jean-Paul Marat o mais radical dos cordelliers, foi assassinado em casa; Danton que era amigo de Robespierre foi traído por este, e destituído de seu cargo no Comitê de Segurança Pública, posteriormente foi condenado a guilhotina. 

Napoleão por esse tempo no começo de 1794, era general e um jacobino. Não se sabe até onde ele aprovava as medidas severas tomada por seu partido, porém isso não o impediu de se valer do poder que os jacobinos exerciam na França, para ir atrás de seus próprios interesses. Napoleão passou cada vez mais a se aproximar do deputado Augustin de Robespierre (1763-1794), irmão mais novo de Maximilien de Robespierre, o qual era na época o "chefe" da Convenção Nacional, ou para outros, o "presidente da República Jacobina". 

Augustin de Robespierre. 

Augustin ficou bastante admirado com as façanhas de Napoleão em Toulon, inclusive ele foi um dos nomes que sugeriram a promoção de Bonaparte ao posto de general. Sabendo dessa admiração, Napoleão entrou em contato com Augustin para que esse fosse o intermediário dele no Comitê de Segurança Pública, na época comandado pelos jacobinos. Robespierre encaminhou ao comitê os planos de Napoleão sobre uma campanha na Itália. 

"O memorando preparado por Napoleão e levado por ele é um trabalho genial e mostra que a concepção das campanhas italianas de 1796-7 já tomara forma em seu espírito. "Se nossos exércitos na fronteira do Piemonte tomarem a ofensiva, forçarão a Áustria a proteger suas possessões na Itália e, graças a isso, sua estratégia e ao sítio - concentraremos o fogo em um só ponto. Depois de conseguida a brecha, o equilíbrio está desfeito. O resto se torna mais fraco e o campo está ganho. É a Alemanha que devemos atacar e, depois dela, a Espanha e Itália cairão sozinhas. Se obtivermos grandes êxitos, poderemos atacar a Alemanha pela Lombardia, Tessin e Tirol, nas campanhas seguintes, enquanto nossos exércitos na Alemanha atacarem no cerne"". (MARKHAN, 1963, p. 16).

Todavia, o Comitê negou-se autorizar a campanha de Napoleão, restando a este aguardar um novo momento mais propício, pois em breve Paris voltaria a sacudir. Após a morte de George Danton e seus partidários, os dantonistas, e também após a morte de Jacque Hébert, o qual era um cordellier ultrradical e inclusive oposto ao próprio Danton, ele e seus partidários os hébertistas foram guilhotinados, assim os jacobinos acabavam com a vida de duas grandes ameaças, porém a população estava revoltada com aquilo, considerando um severo abuso de poder. Além disso, alas dos jacobinos também não eram favoráveis as medidas drásticas tomadas pelos irmãos Robespierre e o Conde de Saint-Just, um de seus principais aliados. 

Sendo assim, em 9 de Termidor ou 27 de julho, os "jacobinos negros" como ficaram conhecidos a ala mais radical e violenta do jacobinismo, a qual era liderada por Maximilien de Robespierre, foram atacados. Inicialmente o ataque ocorreu no Hotel de Ville naquele dia, mas Robespierre entre outros companheiros conseguiram fugir, indo se refugiar no Clube dos Jacobinos. Pela noite a polícia cercou o local e o invadiu. Alguns jacobinos haviam cometido suicídio, inclusive o próprio Robespierre tentou se matar com um tiro na boca, mas a bala saiu pelo maxilar. Ele foi encontrado bastante ferido, mas acordado. 

Pintura retratando o ataque aos jacobinos no Hotel de Ville, em 9 de termidor (27 de julho) de 1794. 

No dia seguinte, Robespierre foi guilhotinado, sendo condenado por abuso de autoridade, de poder, entre outros crimes. Seu irmãos Augustin, o Conde de Saint-Just entre outros "jacobinos negros" foram mortos em seguida. Napoleão também teve quase o mesmo destino se não fosse por seus contatos políticos intervirem para salvar sua vida. 

Dias após a morte de Robespierre, Napoleão recebeu voz de prisão, inclusive permaneceu alguns dias presos até que fosse absolvido pelos deputados Salicetti e Albitte. Neste caso, Salicetti era seu amigo de longa data, e foi um dos principais responsáveis por defender a inocência de Napoleão, o qual era acusado de ser um dos agentes mais próximos dos Robespierre. Após duas semanas em prisão domiciliar, Napoleão foi inocentado e readmitido ao exército, passando a receber o comando do planejamento da Batalha de Dego (setembro de 1794) que ocorreu na Itália. Ainda não era o que ele queria, pois se tratava apenas de um pequeno conflito no norte da Itália. Porém, novamente seus planos foram adiados.

"No início de 1795 seus pensamentos se voltaram pela última vez à Córsega, ao ser designado para o comando da artilharia da expedição incumbida de reconquistar a ilha. Uma ação de resultados indecisos contra a frota de Hotham, em 15 de março, obrigou essa expedição regressar". (MARKHAN, 1963, p. 17).

Devido a superioridade do poder naval inglês, a campanha de Napoleão na Córsega foi fracassada. O ano de 1794 foi péssimo para Napoleão, principalmente após ter ficado preso e quase sido condenado a morte. E agora, 1795 começava com uma derrota vergonhosa, afinal, Bonaparte o "herói de Toulon", perdeu de forma medíocre para a marinha inglesa, sem conseguir ao menos erguer na sua terra natal, um acampamento para se defender. 

De volta a Paris, o Comitê de Salvação Pública designou Napoleão para lutar na Guerra da Vendeia (1793-1795), uma guerra civil que ocorria na região da Vendeia, no oeste da França. A população revoltada contra a política jacobina se rebelou ainda em 1793, durante a fase do Terror, e continuou após o término dela. Napoleão não estava interessado em participar de uma guerra civil entre civis e o exército francês, com isso inventou a desculpa que estava doente para adiar sua viagem. 

Nesse tempo que fingia estar doente, Bonaparte entrou em contato com Pontécoulant, importante membro do Comitê de Salvação Pública, o qual usou sua influência para conseguir um cargo para Napoleão no comitê, o cargo de chefe do Serviço Topográfico do Comitê, o qual estava associado com os planos de guerra. Napoleão pretendia que estando na chefia de tal cargo, isso favorecesse seus planos quanto a Itália. Entretanto, devido a sua desobediência de seguir para Vendeia, ele foi suspenso de seu cargo de general. 

Bonaparte agora estava diante de um novo problema, seu desacato a ordem, punha em ameaça sua carreira militar. Sua teimosia, imprudência e ego o levaram a bater de frente com as ordens do Ministério de Guerra, mas para sua sorte, surgiu uma oportunidade de se redimir, mesmo que fosse com sangue e morte. 

Em 13 de Vendémiaire (5 de outubro) eclodiu uma forte revolta em Paris, onde vários civis pegaram em armas para combater o exército da Convenção. O motivo principal dizia respeito a aprovação de novas leis e da nova Constituição, aprovada pelo Diretório (órgão executivo que substituiu a Convenção Geral). Uma das leis que indignou a população foi a "Lei dos Dois Terços", a qual decretava que dois terços das cadeiras do Diretório, seriam ocupados por deputados provenientes da Convenção, o que significava que todos os corruptos de antes, pelo menos dois terços, voltariam ao poder no Diretório. Além disso, parte dos revoltosos eram monarquistas. 

Gravura retratando uma cena da Revolta de 13 de Vendémiaire (5 de outubro) de 1795), ocorrida em Paris. 

Isso levou a população a tentar invadir a sede do Diretório, então o general Paul François Jean Nicolas (1755-1824), Visconde de Barras, mais conhecido como general Barras, estava a frente do comando das tropas do governo, para conter aquela revolta que se espalhava violentamente pelas ruas de Paris. Então Barras diante de uma revolta onde pelo menos 25 mil homens estavam contra seu exército de cerca de 5 mil soldados, decidiu pedir ajuda, então sabendo que Napoleão estava em Paris, e conhecendo seu prestígio de Toulon; ordenou que este viesse ao seu auxílio. Bonaparte vendo que se pusesse fim naquela revolta que ameaçava o novo governo da república, poderia retomar seu prestígio. 


Retrato do general Paul Barras.
 
Com a vitória sobre a revolta de 13 de Vendémiaire, o general Barras foi designado posteriormente ainda naquele ano, para assumir um dos cargos de chefia no Diretório. Por sua vez, Napoleão foi designado para se tornar general-de-divisão e posteriormente comandante do Exército do Interior, cargo que assumiu por designação de Barras, o qual se retirou deste cargo e o concedeu a Bonaparte. Assim, os dois se tornaram amigos, pelo menos por hora, pois anos depois a amizade seria rompida, e os dois se tornariam opositores.  

As campanhas na Itália (1796-1797):

Antes de partir para a Itália, o recém aclamado general Bonaparte casou-se. Ainda em 1795, Napoleão no salão de Madame Tallien, conheceu Josefina de Beauharnais (1763-1814), na época com 33 anos de idade, mãe de dois filhos no começo da adolescência (Eugênio e Hortênsia) e viúva do Visconde de Beauharnais. O marido de Josefina havia sido general, mas morreu durante o Terror de 1794, sendo decapitado na guilhotina. No entanto, embora fosse uma mulher vários anos mais velha do que Napoleão, ainda assim, ele se apaixonou perdidamente por ela. 

A paixão avassaladora de Napoleão o fez pedir Josefina ainda em 1795, em noiva. No ano seguinte, em 9 de março, numa cerimônia civil, simples e para poucos convidados, celebrada em Paris, os dois se casaram. Os dois haviam se conhecido há 18 meses, agora eram marido e mulher. Quanto aos seus enteados, Napoleão passou a ter uma boa relação, principalmente com o jovem Eugênio, o qual vinha no padrasto um homem a ser admirado (RIVOIRE, 1966, p. 8). 


Josefina de Beauharnais, esposa de Napoleão Bonaparte.

A lua-de-mel teve que ser encurtada, pois dois dias depois de terem casado, Napoleão recebia uma carta informando que o Ministério da Guerra o havia nomeado como Comandante-chefe do exército francês na Itália. O sonho de atacar o norte da Itália, algo que Napoleão almejava há dois anos, finalmente poderia ser realizado. Mas embora essa parte de sua história nos revele mais acerca do general, no entanto, durante os meses que esteve em campanha, Napoleão se correspondeu com sua esposa, e neste ponto se ver outra faceta desse homem, geralmente pouco conhecida, seu lado romântico. No início do casamento ele foi um homem apaixonado e romântico, da metade em diante, tornou-se um marido rabugento. 

Não obstante, devido as campanhas italianas terem durado ao longo de 1796 e parte de 1797, consiste num assunto bastante extenso, porém, optei em focar em alguns acontecimentos mais importantes, tanto na esfera militar quanto no campo da política, pois embora estando longe, não significou que Napoleão esteve desinformado quanto a política do Diretório. Pelo contrário, neste tempo ele já ambicionava um cargo no Diretório. Napoleão não queria apenas ser um general e comandar soldados, mas também queria está presente na república e comandar o país. Aqui percebe-se o surgimento de sua ambição que o levaria a se tornar cônsul e depois imperador. 

A Itália daquele tempo não era uma nação unificada, mas um conjunto de pequenos Estados que se digladiavam por mais terras. No caso do norte da península, a Lombardia, a região era disputada pelos franceses, pelos alemãs, pelos milaneses, pelos genoveses, pelos venezianos, pelos sardenhos, pelos austríacos e por outros pequenos Estados italianos. 


Mapa da Itália no ano de 1796. A região da Lombardia era governada pela Sardenha, Veneza e a Áustria. O Sacro Império Romano-Germânico que possuía autoridade sobre essas terras dede o século IX, neste tempo tinha perdido bastante sua influência. 

"Antes de Napoleão chegar para assumir o comando, os franceses tinham destacado uma força pequena para Voltri, na costa ocidental de Gênova, a fim de fazer pressão sobre Gênova para conseguir o empréstimo pedido por Saliceti. Beaulieu também estava sob pressão do embaixador austríaco para obter território genovês e interpretou a ação francesa como indicativa de que o teatro principal de operações militares seria na costa da Riviera". (MARKHAN, 1963, p. 27).

O deputado Antonie Saliceti naquele ano havia sido nomeado comissário civil do exército, passando a atuar nas campanhas italianas como representante do governo francês. Saliceti solicitou a alguns bancos genoveses um empréstimo para financiar a campanha contra a Itália, os banqueiros relutaram em emprestar dinheiro, mas com a ameaça do exército francês nas terras da sua república, eles cederam. Por sua vez, o general Johann Peter Beaulieu (1725-1819) era um experiente general austríaco, que lutou da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Em 1796, o governo austríaco o escolheu para comandar os exércitos do país na disputa pela Lombardia. Embora fosse um veterano com seus 71 anos, Beaulieu se deparou com o gênio impulsivo e sagaz do jovem general Bonaparte, que na época tinha 27 anos. 

Retrato do general Johann Peter Beaulieu. 

Bonaparte vendo que Beualieu interpretou errado a movimentação do campo de batalha, decidiu agir, assim em abril ocorreram as primeiras batalhas entre os dois. Os conflitos ocorreram no território do Reino da Sardenha, entre 12 e 16 de abril, no que ficou conhecido como a Batalha de Montenotte. Ao fim de quatro dias de conflito, Napoleão venceu as tropas do general Beaulieu e seus comandantes, resultando numa baixa de pelo menos 6 mil soldados para o inimigo (MARKHAN, 1963, p. 27). Com a vitória francesa, Beaulieu ordenou retirada, abandonando o território de Montenotte e recuando para terras melhor guarnecidas por sua gente. 

Napoleão aproveitando o recuou dos austríacos passou a atacar os piemonteses (habitantes da região de Piemonte, ao oeste da Lombardia. De fato, o reino da Sardenha ficava em Piemonte), os vencendo em três batalhas consecutivas ocorridas entre 19 e 23 de abril: Batalha de San Michele, Batalha de Ceva e Batalha de Mondovi. Com a vitória, o general sardenho ofereceu a proposta de um armistício (uma trégua) durante um mês. Napoleão aceitou a oferta e comunicou o Diretório para tratarem de propor um acordo de paz com a Sardenha. Encarregando o governo de tal acordo, Napoleão prosseguiu com sua marcha para o interior da Lombardia. 

Em maio ele voltou a confrontar os exércitos austríacos de Beualieu, e novamente os venceu, dessa vez na importante Batalha de Lodi, ocorrida em 10 de maio. Em questão, a batalha ocorreu entorno do controle de uma ponte crucial para que o exército francês avançasse. As tropas francesas se saíram melhor e derrotaram as tropas inimigas, levando o general Beualieu a fugir novamente. Com a tomada da ponte de Lodi, Napoleão abria caminho para Milão

Batalha de Lodi. Louis-François, 1803. 

"A vitória de Lodi foi um parco psicológico na carreira de Napoleão. Em Santa Helena, afirmou a respeito " Só na noite após Lodi percebi que era um ser superior e concebi o projeto de realizar grandes coisas, que até então povoavam meus pensamentos como em um sonho fantástico". (MARKHAN, 1963, p. 28). 

Em 14 de maio, Bonaparte adentrava a bela cidade de Milão, em triunfo. Ele passou os dias seguintes na cidade, descansando com seu exército enquanto se preparava para as próximas batalhas. Enquanto isso, também aguardava as diretrizes do Diretório. Em 28 de maio ele recebeu uma carta informando que o governo sardenho aceitou um acordo de paz, menos mal, pois significava que os franceses teriam caminho aberto para cruzar a Sardenha, e enviar reforços. Por sua vez, Napoleão cogitava atacar o pequeno Estado de Mântua, porém novas diretrizes sugeriram que ele partisse para tomar Roma ou Nápoles. Bonaparte negou-se a declarar guerra ao papa (lembrando que ele era católico). 

Ao invés de declarar guerra aos Estados Pontifícios e a outras importantes cidades italianas como Parma, Módena, Livorno, Bolonha e ao Ducado da Toscana, Napoleão e Salicetti decidiram seguir uma via diplomática, ou melhor dizendo, uma via de extorsão. Os dois ameaçaram tais cidades e o ducado, negociando armistícios com este em troca de dinheiro, mercadorias e até obras de arte (MARKHAN, 1963, p. 29). Os franceses estavam extorquindo os italianos. 

"No fim de maio, Napoleão retomara seu avanço contra Beaulieu, que estava sustentando a linha do Míncio. Graças a um ataque simulado ao Norte, em direção a Trento, Napoleão forçou Beaulieu a dispersar suas forças, após o que atacou seu centro. Beaulieu retirou-se em desordem para o Tirol, deixando uma guarnição em Mântua, a qual Napoleão sitiou. Para o resto de 1796, a luta principal teve lugar na área do quadrilátero: as fortalezas de Peschiera, Verona, Mântua e Legnano, na planície abaixo do lago Garda". (MARKHAN, 1963, p. 29).

O conflito em Mântua, Verona, Peschiera e Legnano, cidades sob jurisdição veneziana, ocupou Napoleão por vários meses, inclusive seus exércitos sofreram algumas derrotas na ocasião. Em julho, o general Beaulieu foi substituído do comando pelo general Dagobert Sigmund von Wurmser (1724-1797), também veterano da Guerra dos Sete Anos. O governo austríaco acreditava que Wurmser pudesse derrotar Napoleão, algo que Beaulieu fracassou esse tempo todo. 

Retrato do general Dagobert Sigmund von Wurmser.

Os conflitos entre os dois prosseguiram em várias batalhas até o mês de agosto, quando Bonaparte derrotou Wurmser, mas essa não foi a derrota derradeira. Wurmser voltou a se reagrupar com suas tropas e em setembro novos conflitos ocorreram na cidade de Trento, bem ao norte da Itália. No começo de setembro, entre os dias 4 e 8 Napoleão dispersou as tropas de Wurmser o qual foi se reagrupar em Bassano. Bonaparte acreditava que com o recuo e dispersão do exército de Wurmser, poderia retomar o ataque a Mântua e conquistar de vez aquela cidade. Porém, seus planos tiveram que ser adiados. 

O general Joseph Alvinczy (1735-1810) o qual estava em campanha na Áustria, lutando contra os franceses pela disputa do rio Reno, foi enviado para dar apoio ao general Wurmser. Assim, Alvinczy adentrou a Itália com quase 40 mil soldados, marchando sobre Trento e Bassano. A ideia era atacar Napoleão pela retaguarda e massacrar seu exército. O massacre não ocorreu, mas Napoleão sofreu duas duras derrotas. 

Retrato do general Joseph Alvinczy von Borberek. 

Era novembro quando ele foi derrotado em Brenta e depois em Caldiero. Com tais derrotas, Napoleão se retirou até Verona, indo se reagrupar e se preparar para o contra-ataque. O novo confronto entre Bonaparte e Alvinczy ocorreu em Arcola (ou Arcole), no caminho para Verona; sendo três dias de intensos conflitos, os quais quase levaram Napoleão a uma nova derrota. A vitória francesa foi conquistada por pouco, mas Alvinczy apenas fez recuar.

Napoleão na Batalha da Ponte de Arcola. Antoine-Jean Gros, 1801. Segundo uma versão contada na época, Napoleão para motivar seus homens, teria pego uma bandeira e seguido na vanguarda, como forma de mostrar que o general não tinha medo de lutar na frente.  

Após a derrota de Alvinczy por várias semanas, os franceses puderam descansar das batalhas. Napoleão negociou com o papa Pio VI um armísticio em troca de não invadir Roma. Como foi dito, Bonaparte não possuía intenção de marchar sobre Roma, o armísticio foi apenas um estratagema para conseguir extorquir dinheiro dos Estados pontifícios. 

Napoleão retornou para Milão, e de lá seguiu para o Castelo de Mombello, onde passou a residir nos meses seguintes. Na ocasião sua esposa e enteados foram trazidos da França, para se juntarem a ele. Se no ano de 1796, Bonaparte passou seis meses indo de batalha em batalha, agora em 1797 a estratégia adotada seria a diplomacia. Para evitar novos confrontos com a Áustria, Napoleão sugeriu que o Diretório propusesse uma trégua. Tal acordo só foi assinado em outubro, mas antes de chegar nele, temos algumas coisas a mencionar. 

Nesse meio tempo, Napoleão enviou propostas ao doge de Veneza, Ludovico Manin (1725-1802) para esse se aliar aos franceses, caso contrário, Veneza seria invadida. O doge relutou em aceitar tais termos, então Napoleão ordenou que algumas tropas marchassem para Veneza. As tropas chegaram em abril e o doge se vendo pressionado, acabou aceitando renunciar ao cargo. Assim Veneza passava para o lado francês. 

Enquanto isso na Lombardia foi criada a República da Lombardia, a qual mais tarde em julho, contou com a anexação de Módena, Ferrara, Bolonha, Romanha e Carrara, passando a se chamar República Cisalpina. Por sua vez, a Gênova se rendeu a França, e se tornou a República Liguriana. Em cerca de seis meses de campanhas militares e mais seis meses de diplomacia, Napoleão havia cooperado para a criação de duas repúblicas franco-italianas. 

Todavia, além de tratar dos assuntos em Itália, Napoleão voltou a sua atenção para Paris, pois em maio de 1797 ocorreu novas eleições para o Diretório, sendo que a maioria dos deputados eleitos eram moderados de origem girondina e cordellier. Desses eleitos, dois deles assumiram a diretoria, Carnot e Barthélemy, os quais Napoleão não via com bons olhos. Sabia-se que alguns dos moderados eram monarquistas, e havia o temor que a monarquia pudesse ser restituída, mesmo sob forma parlamentar. Aqui é preciso recordar que Napoleão como jacobino, era um defensor da república, embora tal opinião veio a mudar anos depois. 

Além dessa ameaça por parte dos monarquistas, Carnot e Barthélemy se mostraram pouco favoráveis as campanhas na Itália e a disputa com a Áustria. Napoleão estava cansado de lutar com os austríacos e percebia que uma solução menos sangrenta e satisfatória seria por meio da diplomacia, mas os dois diretores se recusaram a ouvir os embaixadores austríacos. Além disso, Napoleão também visava retomar o conflito contra a Inglaterra, mas Carnot e Barthélemy não eram favoráveis a isso. Em suma, os dois diretores eram opositores aos jacobinos, então Bonaparte decidiu agir.

Em contato com os diretores Rewbell, La Revellière e o general Barras, Napoleão e eles tramaram um golpe de Estado, a fim de retirar Carnot e Barthélemey do poder. O golpe ocorreu em 18 de Frutidor (4 de setembro), sendo liderado por Pierre Augereau, homem de confiança de Napoleão que o acompanhou nas campanhas na Itália, mas foi enviado a Paris para comandar o golpe. Na capital, Augereau contou com o apoio de Rewbell, La Revellière e Barras para efetuar o golpe, o qual assegurou o controle dos jacobinos sobre o Diretório. 

Gravura representando o golpe de Estado de 18 do Frutidor (4 de setembro) de 1794, onde os deputados moderados, os quais uns eram monarquistas e anti-jacobinos, foram presos. 

"Em Udine, depois de discussões difíceis, foi assinado em 18 de outubro de 1797 um trado oficialmente conhecido como de Campo Fórmio. A Áustria reconhecia a República Cisalpina e a posse francesa de Bélgica e das ilhas jônicas. Em troca, recebia os territórios venezianos no continente italiano até o Adige, bem como a Ístria e a Dalmácia. Num artigo secreto, concordava em apoiar a exigência francesa quanto à margem esquerda do Reno em um Congresso a ser realizado em Rastadt, enquanto a França devida ajudá-la a conseguir Salzburgo e uma faixa da Baviera". (MARKHAN, 1963, p. 36).

Napoleão "conquistou" Veneza simplesmente para servir de barganha no acordo com a Áustria, o que pôs fim as desavenças entre os dois países, pelo menos por hora. Não obstante, ele havia assegurado várias terras no norte da Itália, que estariam sujeitas ao governo francês, como também extorquia várias cidades. O êxito nas campanhas italianas e o golpe em 18 de Frutidor, visivelmente revelavam que Napoleão era um homem de prestígio, sagacidade e ambição. 

A campanha do Egito (1798-1799):

"Logo após o tratado de Campo Fórmio, fora nomeado para o comando do "Exército da Inglaterra" e o Diretório o convidara a assistir ao Congresso de Rastadt como chefe da delegação francesa antes de voltar à França. O Congresso fora convocado para assinar a paz entre a França e o Império Alemão e sua primeira tarefa, na verdade, era ratificar a posse francesa da margem esquerda do Reno, em troca pela cessão de Veneza. Em 1 de dezembro foi conseguido um acordo sobre tais termos e Napoleão partiu para Paris". (MARKHAN, 1963, p. 38).

Ao retornar a Paris, Napoleão Bonaparte foi recebido como um herói de guerra, inclusive o Diretório realizou uma cerimônia oficial para saudar o retorno de seu grande general, responsável pelas vitórias conquistadas no ano anterior na Itália. Napoleão retornava com ainda mais prestígio, renome e autoridade, o que despertava o receio de alguns, por vê-lo um oponente em potencial; e para alguns, Napoleão era um aliado poderoso a ser cogitado, tais opiniões se confrontariam um ano depois. 

Todavia, Napoleão como foi incumbido a de comandar o exército contra a Inglaterra, passou janeiro e fevereiro planejando o que seria feito, pois a marinha francesa era visivelmente muito inferior a marinha inglesa, então a mais poderosa do mundo. Napoleão sabia que se tentasse um ataque nas condições que a marinha francesa se encontrava naquela época, seria um fiasco tremendo, logo, ele começou a pensar em outro alvo, e em seus pensamentos vieram o Egito. 

A ideia de se atacar o país das pirâmides não foi algo concebido por Napoleão, pois alguns anos antes um antigo cônsul francês havia sugerido um ataque ao Egito, a fim de usá-lo como ponto de apoio para se empreender uma campanha Índia. Em uma carta de 1797, Napoleão havia mencionado a ideia de se capturar o Egito e controlar o istmo de Suez o que favoreceria o comércio com o Oriente. Em fevereiro de 1798, o ministro das Relações Exteriores Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838) havia enviado ao Diretório, planos para se atacar o Egito. Talleyrand defendia uma campanha contra a Índia, na época ocupada boa parte pelos ingleses. A ideia era se unir aos inimigos dos ingleses na Índia e enfraquecer seu domínio lá. Ainda naquele tempo a Índia era uma importante fonte de riquezas. 

No final de fevereiro Napoleão comunicou ao Diretório que atacar a Inglaterra seria um grande erro, porém tentar tomar o Egito e depois seguir para a Índia seria uma missão mais viável. Em 5 de março Bonaparte foi autorizado a liderar uma campanha contra o Egito e a Ilha de Malta

Em 19 de maio de 1798, a grande frota francesa de 400 navios, 38 mil soldados e 150 estudiosos zarpou de Toulon. Logo, Napoleão preferiu atacar a pequena ilha de Malta antes de ir ao Egito. O ataque a Malta ocorreu em maio daquele ano, sendo uma vitória fácil, pois o grão-mestre da Ordem de São João rendeu-se frente ao poderio francês. Malta era um importante ponto estratégico no Mediterrâneo disputado por vários povos ao longo dos séculos. Em seguida eles seguiram para Alexandria

O almirante Horatio Nelson (1758-1805) incumbido pela Marinha Real Inglesa de combater os franceses no Mediterrâneo, acabou perdendo o rastro dos franceses devido a uma tempestade, todavia em 15 de junho ele recebeu a notícia de que os franceses foram vistos navegando para o leste. Nelson deduziu que talvez pudessem ir para o Egito, então seguiu para lá, mas nada avistou dos navios franceses que esperava encontrar, então se dirigiu para a Grécia. Dois dias depois a frota francesa aportava em Alexandria (MARKHAN, 1963, P. 40). Sorte, azar, milagre ou destino, os franceses por duas vezes acabaram não se encontrando com a frota de Nelson, a qual poderia ter posto fim a expedição ao Egito. 

Os franceses desembarcaram em junho e Napoleão tratou de combater as forças mamelucas que governavam o Egito. A ideia era tomar o país deles e ao mesmo tempo fazer um acordo com Império Otomano. Mameluco era o termo pelo qual os árabes e turcos chamavam alguns escravos, por sua vez no século XVI, os mamelucos se tornaram uma poderosa casta de guerreiros, os quais num golpe de Estado tomaram o Egito dos otomanos. Em 1798, Napoleão que não tinha interesse em ocupar permanentemente o Egito, como foi o caso do norte da Itália, cogitava negociar com o sultão otomano barganhar o Egito. 

"Em 21 de julho, em Embabé (na chamada "batalha das Pirâmides"), derrotara facilmente as tropas francesas dos dois beis mamelucos, formando as tropas francesas em quadrados. A cavalaria mameluca tinha cerca de 6.00 homens, com uma infantaria de 12.000, mal armada e desprezível como força de combate". (MARKHAN, 1963, p. 41).

Napoleão diante da Grande Esfinge. Jean-Léon Gèrôme, 1868. 

Embora os líderes mamelucos tenham sido derrotados, eles ainda tentaram reaver o país, mas fracassaram em tal intento. Em 31 de julho a fronta do almirante Nelson atacou a frota francesa ancorada em Alexandria, destruindo quase todos os navios ali. A destruição da frota francesa foi um duro golpe pelo qual provavelmente Napoleão não esperasse ocorrer, entretanto, isso não o desmotivou de prosseguir com seus planos.

Entretanto o que marcou a Campanha no Egito, não foram as batalhas como visto no caso da Itália, mas a missão científica enviada pela França ao país. Bonaparte visitou as pirâmides de Gizé, a Grande Esfinge entre outros monumentos e templos. Como um homem que se interessava por história, artes e ciências, Bonaparte deve ter se maravilhado com o Egito. Alexandre Magno e Júlio César haviam visitado o país, agora ele fazia o mesmo. Isso é algo curioso: três dos maiores generais da História estiveram diante das milenares pirâmides.

Napoleão ainda no começo de 1798 havia se tornado membro do Instituto da França (Institut de France), fundação acadêmica criada pelo Diretório em 1795, equivalente a Royal Society de Londres. Quando os membros do instituto souberam da missão de Bonaparte ao Egito, comunicaram sua grande vontade de enviar estudiosos ao milenar país, assim, 150 estudiosos entre arqueólogos, historiadores, geógrafos, arquitetos, engenheiros, médicos, botânicos, zoólogos, astrônomos, antiquaristas, linguistas, escritores, tradutores, gravadores, mineralogistas, químicos, etc., viajaram na expedição de Napoleão e ali permaneceram os anos seguintes, no que se tornou a maior expedição científica até então feita ao Egito. 

Foi a partir dos resultados dos trabalhos de muitos destes estudiosos que a Egiptologia surgiu. Um dos marcos dessa expedição dentre as várias gravuras, desenhos, transcrições e inclusive roubo de relíquias e artefatos, esteve a descoberta da Pedra de Roseta, monólito cuja inscrição foi usada por Jean-François Champollion o qual conseguiu decifrar a escrita hieroglífica entre 1822 e 1824. Tornando-se mundialmente conhecido por tal façanha. 

Outra questão que marca a estadia de Napoleão no Egito, diz respeito a sua amante, madame Pauline Fourès, na época casada com o tenente do 22 Regimento de Cavalaria, Jean Noël Fourès. Bonaparte já havia ouvido boatos que Josefina era infiel, inclusive na fase que ela esteve viúva, Jofesina teve vários amantes. A própria família Bonaparte não gostava dela, a vendo como uma mulher esnobe, ostentadora e de pouca confiança e inteligência. 

Madame Pauline Fourès, amante de Napoleão no Egito. 

Quando Napoleão viajou para o Egito, novamente tais boatos vieram a tona. No Cairo em setembro de 1798, ele conheceu a jovem e bela Pauline Fourès, a qual lhe despertou intenso desejo. Bonaparte mandou despachar o marido dela para a França, e assim aproveitou para da em cima dela. O tenente Fourès retornou no começo de 1799, então sua esposa pediu o divórcio, tornando-se publicamente amante do general Bonaparte. 

"Quando Fourès foi novamente encaminhando à França, Bonaparte instalou Pauline numa casa próxima ao Palácio Elbi-Bey. Logo os dois passaram a ser vistos em revistas, banquetes e passeando na carruagem do General, muitas vezes com Eugênio, o filho de Josefina, trotando mal-humorado lado a lado". (GOODSPEED, 1965, p. 34).

Embora Eugênio desaprovasse a amante de seu padrasto, os oficiais gostavam dela, por ser bastante sociável, e inclusive a chamavam de "Cleópatra". Napoleão cogitou que quando retornasse para a França pediria o divórcio. 

Em setembro os otomanos declararam guerra aos franceses por terem invadido o Egito; por mais que os mamelucos estivessem no poder, alguns eram de origem turca, logo, no Cairo eclodiu uma grande revolta em 16 de outubro, a qual Napoleão mandou usar a força bruta para findá-la. Até então Bonaparte andava agindo de forma moderada, evitando que seus soldados pilhassem as cidades e cometessem excessos no campo de batalha, inclusive ele entrou em contato com as autoridades religiosas, os ulemás, procurando evitar um conflito entre católicos e muçulmanos. No entanto, a violência para conter a revolta no Cairo ecoou de forma negativa. 

Pintura retratando Napoleão conversando com os líderes rebeldes no Cairo, após a revolta ocorrida em outubro de 1798. 

Posteriormente Napoleão ficou sabendo que o governador otomano da Síria havia reunido um exército e pretendia marchar rumo ao Egito, a fim de expulsar os franceses. Napoleão não querendo esperar ser atacado, destacou parte de suas tropas e marchou rumo a Palestina. A ideia era não somente derrotar o inimigo, mas ocupar aquelas terras e usá-las para decidir o próximo passo: seguir para a Índia como inicialmente cogitado, ou tentar atravessar a Turquia e retornar para a França? Oficialmente os otomanos não estavam em guerra declarada com a França, apenas o governador sírio é quem estava em guerra.

"Napoleão partiu para a Palestina em 10 de fevereiro de 1799 com 13.000 soldados. A captura de Jafa (7 de março) por assalto foi toldada pelo massacre de 3.000 prisioneiros turcos, sob o fundamento da necessidade militar, pois Napoleão não tinha soldados e suprimentos bastantes para escoltar e alimentar esses prisioneiros. A peste começava a infestar seu exército e Jafa caíra com tamanha facilidade que Napoleão subestimou a dificuldade de tomar Acre". (MARKHAN, 1963, p. 42).

Napoleão em meio aos seus soldados doentes por causa da peste negra. Na ocasião um hospital provisório foi montado em Jaffa, para tratar dos doentes, mas muitos morreram. 

O cerco a Acre foi uma das maiores falhas de Napoleão em sua carreira militar. O cerco durou dois meses, muito mais tempo do que ele teria imaginado que fosse necessário para se conquistar aquela importante cidade. E para piorar a situação, os ingleses sob o comando do almirante Sidney Smith (1764-1840), prejudicaram bastante o apoio recebido por mar. Com seus navios, Smith bloqueou o acesso dos franceses ao mar, prejudicando terrivelmente o envio de reforços e o abastecimento. E se não bastasse a intromissão inglesa, a peste negra e outras doenças ceifaram a vida de centenas de seus soldados. 

"Anos mais tarde, em Sta. Helena, ele se referiria a Sir Sidney Smith, que impediu o sucesso de seu ataque a São João d'Acre, como o homem que "fez falhar meu destino"". (GOODSPEED, 1965, p. 20). 


Almirante Sidney Smith. 

Atacar a Síria mostrou-se um erro, e após a demora no cerco a Acre, Napoleão decidiu desistir da campanha, então retornou para o Cairo. Porém a situação só estava por piorar; dos 13 mil homens levados, cerca de 8 mil retornaram, e para complicar, um exército turco de pelo menos 20 mil soldados foi enviado da ilha de Rodes para atacar os franceses no Egito. Em 21 de julho de 1799 ocorreu a Batalha de Abukir, a qual consistiu em outra grande vitória para Bonaparte. Se ele estava frustrado por ter tido que se retirar da Síria, para defender o Egito, Napoleão e seu exército se empenharam em tal missão, e embora estando em desvantagem numérica, o exército francês derrotou o exército turco. 

O Golpe de 18 de Brumário (1799): 


Antes de decidir partir para a França, o almirante Smith havia cedido a Napoleão dois jornais franceses os quais informavam que os russos haviam formando uma aliança com os austríacos, e com isso retomaram parte das terras que Napoleão havia conquistado na Itália. Para completar, os generais franceses que defendiam as fronteiras no Reno e no Danúbio, haviam sido derrotados. Aquilo irritou bastante Bonaparte, o qual comentou em algumas de suas cartas sua indignação com tais acontecimentos. Por quase dois anos ele e seus homens se esforçaram para conquistar terras na Itália e negociar com a Áustria, e agora tudo estava perdido em menos de um ano. 

Todavia, Napoleão estava cansado do Egito, seus planos de seguir para a Índia foram abandonados, e em sigilo ele deixou o Egito em 24 de agosto, partindo com alguns de seus oficiais e alguns cientistas, zarpando em duas fragatas. Para comandar o exército francês no Egito, Bonaparte nomeou o General Jean Baptiste Kléber o qual se manteve responsável por cerca de um ano, até passar o comando para outro general. Sua amante madame Pauline Fourès foi deixada para trás, e essa por sua vez, tornou-se amante do general Kléber. Os franceses ocuparam o Egito de 1798 a 1802, quando negociaram sua saída com os ingleses. 

Napoleão preferiu não retornar diretamente para Paris, ao invés disso, sua fragata aportou em Ajaccio no começo de setembro. Ele passou o restante do mês descansando e esperando bons ventos para zarpar novamente. Em 6 de outubro ele deixou a Córsega e seguiu para a França. No dia 14 de outubro Napoleão pela manhã chegava a sua casa em Paris, sendo recebido por sua mãe Maria Letícia, todavia, sua esposa Josefina não se encontrava por lá, mas estava morando em seu castelo em Malmaison, o qual havia comprado sem condições, e agora estava endividada. Embora Josefina fosse uma mulher que nunca se preocupou com as finanças, pois herdou muito dinheiro de seu marido anterior, e inclusive Napoleão era um homem rico. Em tal castelo Josefina morava com seu amante, o militar Hippolyte Charles, o qual havia servido Bonaparte na Itália. 

Ao retornar para a França em outubro de 1799, as notícias não eram nada boas. Uma união entre a Áustria e a Rússia levou os dois países a invadirem a República da Cisalpina e tomar Milão e Turim. Além disso, o czar Paulo estava indignado com o ataque a Malta e a Síria. Por sua vez, os otomanos, russos, napolitanos e ingleses se uniram para confrontar os franceses. O general Jourdan responsável por defender a fronteira francesa no rio Danúbio, havia sido derrotado em março daquele ano pelo arquiduque austríaco Carlos de Stockach

A situação francesa no exterior em resumo era a seguinte: o Egito se manteria sob uma ocupação instável até 1802; as conquistas realizadas por Napoleão na Itália, foram se desmanchando; os austríacos quebraram seu acordo, então se uniram com os russos para invadir os territórios subordinados a França. A Inglaterra convocava o Reino de Nápoles, o Império Otomano e o Império Russo para formarem uma nova coalizão e barrarem as conquistas napoleônicas. E para completar, parte do território ocupado diante do rio Danúbio, um dos maiores rios da Europa o qual se estende no leste europeu, foi perdido. 

Todavia, ainda em 1799 houve algumas boas notícias militares. Os russos foram derrotados em Zurique na Suíça, em 26 de setembro, e as tropas inglesas e russas que haviam aportado na Holanda, cujo intuito era tomar a Bélgica, a qual pertencia a França, foram expulsas em 18 de outubro. No entanto, as notícias ruins não diziam apenas a assuntos militares e de exterior, a política interna também estava em crise e seria nesse cenário que Bonaparte realizaria um novo golpe de Estado. 

No dia 15, Bonaparte foi jantar na casa de Louis-Jerôme Gohier, então presidente do Diretório. Ninguém esperava que Napoleão estivesse de volta já que não havia sido autorizado sua retirada do Egito; neste ponto, Napoleão havia desobedecido algumas ordens, mas isso não o preocupava, pois ele sabia que a França precisava dele, e isso era nítido quando três dias depois, após os jornais noticiarem sua volta, os cinco diretores do Diretório convidaram Napoleão para uma cerimônia pública de boas-vindas, ocorrida em Luxemburgo. Uma multidão se aglomerou nas ruas entorno da sede do Diretório para verem a chegada do herói de guerra (GOODSPEED, 1965, p. 76). 

Napoleão surgia ao público vestido com roupas civis; cabelos curtos segundo a moda do momento; exibindo uma cimitarra turca com o cabo cravejado de joias; além de mostrar seu bronzeado adquirido ao longo do último ano. Seus olhos azuis ainda exibiam aquele olhar sério, reservado, astucioso e ambicioso. As pessoas nas ruas diziam que ele estava com a cor acobreada de um egípcio, turco ou mouro. Embora fisicamente diferente, ainda assim, a população o aclamava como um herói. Napoleão Bonaparte era um oponente a ser temido e um aliado poderoso a ser cogitado. 

Na noite do dia 18, Napoleão recebeu a visita de Josefina e Hortênsia. Não se sabe o que foi dito naquela ocasião, mas se Bonaparte pretendia se divorciar naquele momento, acabou desistindo. No dia seguinte, o irmão mais novo de Napoleão, Luciano chegou ao quarto do irmão e encontrou ele com a esposa. Os Bonaparte queriam que Napoleão se divorciasse de vez daquela mulher que só fazia gastar dinheiro e era infiel ao marido, mas Napoleão lhe deu uma segunda chance (GOODSPEED, 1965, p. 82). 

Posteriormente ao retorno do irmão a Paris, sua aparição pública ovacionada por uma multidão; as boas-vindas dadas pelo Diretório e o reatamento do casamento com Josefina, Luciano apresentou a Napoleão alguns planos políticos para um novo golpe de Estado. Naquele tempo, Bonaparte não confiava em nenhum dos cinco diretores, nem mesmo em Gohier o qual se mostrou tão amigável, e nem mesmo no general Barras, o qual era seu amigo e o ajudou a alavancar sua carreira em 1795. Napoleão os via como homens corruptos e interessados em questões pessoais, pois não estavam preocupados com o futuro da nação. 

Luciano Bonaparte que desde a Córsega estava bastante envolvido na vida política francesa, assim como seu irmão mais velho José; no entanto, Luciano havia se tornado um amigo bastante próximo do do diretor Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), político, escritor e ex-bispo de Autum. Embora que devido a sua renúncia ao bispado em detrimento da política, Sieyès ficou mal visto por parte dos católicos. No ano de 1799, Sieyès planejava um novo golpe de Estado, e Luciano era um dos envolvidos em tal plano, o qual contou para Napoleão. 

Retrato do político, escritor e clérigo Emmanuel Joseph Sieyès, autor do golpe do 18 de Brumário. 

"De acordo com Lucien, o ex-abade tencionava organizar um "golpe de estado" que substituiria os cinco membros do Diretório por três Cônsules, os quais serviriam por dez anos; um Senado, nomeado para toda a vida substituiria o Conselho dos Anciãos e seria um Conselho Legislativo, por um sistema de sufrágio universal qualificado. Sieyès desejava também abolir os empréstimos forçados e revogar a Lei dos Reféns, pela qual os parentes dos monarquistas exilados eram punidos pela tendência política de seus parentes". (GOODSPEED, 1965, p. 85).

O plano de Sieyès soava bastante tentador para Napoleão, no entanto, ele pretendia conquistar o poder por meios lícitos, embora não descartasse o plano de golpe de Estado de Sieyès. Nos dias seguintes, Napoleão recebia quase que diariamente visitas. 

"Jacobinos, moderados e monarquistas, todos foram visitar o General no n 6 da rua Vitória e todos foram tratados da mesma maneira. Bonaparte mostrava-se amistoso, atraente e interessado em tudo o que tinham a dizer, mas não revelava suas próprias intenções". (GOODSPEED, 1965, p. 86).

O Diretório e seus Conselhos estavam divididos em quatro partidos: os moderados, os jacobinos, os "decadentes" e os monarquistas. Desses, Napoleão almejava negociações com os moderados e os jacobinos, e embora ele tenha pertencido ao partido Jacobino, naquele tempo já não enxergava o partido com os mesmos olhos de 1793. Quanto aos monarquistas, Napoleão ainda um republicano, os detestava. 

"No Conselho dos Quinhentos mais da metade dos deputados era da esquerda e cerca de sessenta desses eram Jacobinos. Cento e quarenta deputados seguiam a política moderada de Sieyès e os remanescentes eram monarquistas de estrema-direita". (GOODSPEED, 1965, p. 84). 

Em resumo, Sieyès era um nome influente no Conselho dos Quinhentos, e Napoleão precisaria de sua influência naquele conselho; os diretores Gohier e Moulin eram vistos como os "decadentes", estavam iludidos pelo poder e não viam a decadência do governo. Já Barrar outrora amigo de Napoleão, era um corrupto claramente. Entretanto, Napoleão decidiu agir e manobrar seus possíveis aliados. 

O general Jean-Baptiste Jourdan (1762-1833) era então líder dos jacobinos, e com isso havia apresentado a proposta para que Napoleão retornasse ao partido e se tornasse o seu líder. Como um outrora jacobino e agora um homem poderoso e influente, não seria difícil convencer a direção do partido em aceitá-lo. Os jacobinos de fato eram um partido influente desde que havia sido criado em 1789, todavia, os fantasmas e o sangue do Terror, haviam manchado o nome do partido quase que completamente. 

Muitos detestavam os jacobinos, e se aliá-los naquele momento não seria algo bom para sua possível candidatura ao Diretório, pois embora não pudesse concorrer a direção e ao Conselho dos Anciãos devido a idade, ainda assim, poderia concorrer ao Conselho dos Quinhentos, mas tal possibilidade não era cogitada, pois Bonaparte queria a diretoria, no entanto, se aliar os jacobinos de qualquer forma, seria negativo. 

Numa reunião privada na casa de Gohier, Napoleão questionou o presidente do Diretório sobre a possibilidade de destituir Sieyès de seu cargo, e neste caso, Napoleão assumiria como diretor. Gohier não gostava de Sieyés e Bonaparte sabia disso, e apelou para essa desavença, no entanto, Gohier respondeu que mesmo que tal fato ocorresse, a Constituição ditava que apenas homens a partir dos 40 anos poderiam assumir a diretoria. Napoleão tinha 30 anos (GOODSPEED, 1965, p. 89). Passar por cima da lei para se eleger diretor, seria um erro crasso, pois ele colocaria o governo contra ele, embora não duvidasse que parte da população não se importaria com aquilo. 

Louis-Jérôme Gohier, um dos cinco diretores do Diretório, em 1799, então presidente. 

Posteriormente Napoleão procurou pelo diretor Moulin, e este lhe deu uma resposta parecida com a de Gohier; ambos não iriam desacatar a Constituição e empossar Napoleão como diretor, embora para eles fosse mais útil tê-lo como aliado do que aturar Sieyès como opositor, porém, como dito, Gohier e Moulin estavam acomodados em seus cargos. 

"Essa recusa fez com que Bonaparte reconsiderasse seus planos. Se não pudesse apoderar-se do poder legalmente, teria de fazê-lo pela força e, pela primeira vez, começou a preparar um golpe de Estado. Ele ainda não via se comprometido com nenhuma facção, antes formava a sua própria, reunindo o que Fouché chamava "uma espécie de Conselho Privado" de seus adeptos. Seus irmãos Lucien e José; seu Chefe de Estado-Maior, Berthier; o espirituoso e cínico Réal, que havia sido o promotor público do Tribunal Criminal Revolucionário; Bruix, Ministro da Marinha; e Talleyrand tornaram-se os cabeças de uma nova conspiração que visava não a implementar a Constituição de Sieyès, mas a colocar no poder o General". (GOODSPEED, 1965, p. 90). 

Na prática, Napoleão pretendia seguir alguns aspectos do plano de Sieyès, mas com a diferença de abrir caminho para que ele assumisse o poder. Sendo assim, em 1 de novembro, ele e Luciano voltaram a se reunir com Sieyès para deliberar quanto ao futuro golpe que seria realizado em breve. 

"No dia 6 de novembro realizou-se no Templo da Vitória, antiga Igreja de São Sulpice, o banquete oficial em homenagem a Bonaparte e Moreau. Bernadotte, Jorudan e Augereau recusaram-se a comparecer, mas o quarteirão em frente à igreja e as ruas adjacentes estavam abarrotadas de gente esperando para ver seu herói". (GOODSPEED, 1965, p. 105).

O general Jourdan havia ficado desgostoso com a recusa de Napoleão a chefia do partido Jacobino. O general Augereau, o qual havia servido Bonaparte na Itália, e enviado pessoalmente pelo próprio general, para chefiar o golpe de 18 de Frutidor, agora se mostrava indiferente ao seu antigo chefe. Por sua vez, o general Jean Bernadotte (1763-1844) não gostava da popularidade de Napoleão, de sua ambição e ego. Os dois se encontraram para conversar algumas vezes, e em todas se desentenderam acerca da política. 


Retrato do general Jean Bernadotte. Inicialmente opositor e rival de Napoleão, depois se tornou um aliado. 

Além desse desentendimento, Bernadotte era casado com Désirée Clary, a qual havia sido vários anos antes, noiva de Napoleão, a qual ele desmanchou o noivado para se casar com Josefina. Segundo Napoleão, ele acreditava que Désirée, a qual numa carta nunca perdoou a canalhice de Napoleão em ter desfeito o noivado, ainda deveria sentir revolta e então maquinou para que o marido não se entendesse com Bonaparte. Todavia, José Bonaparte era casado com Julie Clary, irmã de Désirée, logo, era cunhado de Bernadotte. 

Desirée Clary, primeira noiva de Napoleão. Posteriormente se casou com o general Bernadotte.

A ausência dos três importantes generais jacobinos ao banquete de Napoleão, outrora membro do Partido Jacobino, foi mal visto pela imprensa e a opinião pública. Vários boatos sem fundamento começaram a circular questionando por que os três generais não compareceram? Napoleão acabou encurtando sua presença na festa em sua homenagem, saindo discretamente. Todavia, no dia seguinte ele se reuniu com Sieyès e ambos decidiram uma data para efetuar o golpe: seria no dia 18 de Brumário (9 de novembro). 

Na véspera do golpe, Napoleão convidou os generais ausentes; Bernadotte e Jourdan compareceram em companhia de Bourrienne. Na ocasião debateram-se sobre a guerra, deixando de fora a política. O fato dos dois generais Bernadotte e Jourdan não terem comparecido ao banquete no templo, foi uma forma de afrontar a imagem pública de Napoleão, mostrando que ele não tinha tanto prestígio como imaginava ter. Pois era diferente ir num jantar na casa dele, e ir num banquete realizado em sua homenagem no Templo da Vitória. 

Diferente do que alguns pensam, o golpe de 18 de Brumário era conhecido por centenas de pessoas, além disso, Napoleão não foi seu autor, mas sim Sieyès, o qual praticamente sozinho foi quem arquitetou todo o plano, o problema era que Sieyès embora possuísse influência nos Conselhos, era popularmente mal visto e não possui influência nas forças armadas, por sua vez, Napoleão era um dos generais mais influentes (ou o mais influente), além de ser um herói de guerra, bem visto por muitas pessoas. Bonaparte era um nome de presença e um forte aliado o qual viria a suprir o problema de popularidade de Sieyés.

Sendo assim, enquanto Bonaparte jantava com os três generais, o golpe já se desenrolava pela madrugada. O Conselho de Anciãos realizou uma reunião secreta para propor algumas ordens e decreto que seriam proferidas e tomadas no dia seguinte; por sua vez, mensageiros percorriam as ruas de Paris avisando aos deputados de ambos os conselhos que o golpe seria realizado no dia 18. Além dos deputados, vários outros militares e civis que estavam envolvidos nesta grande conspiração foram avisados. 

Na manhã seguinte, às 7h o Conselho dos Anciãos se reunia no Palácio das Tulherias para uma reunião extraordinária; muitos dos deputados foram avisados três horas antes, para aquela reunião na qual os conspiradores baixaram os decretos e ordens preparados no dia anterior. Com base nos artigos 102, 103 e 104 da Constituição foi decretado que (GOODSPEED, 1965, p. 120):
  • Artigo 1: A Assembleia Legislativa é transferida para a comunidade de St. Cloud. Os dois Conselheiros funcionarão lá, nas alas do Palácio.
  • Artigo 2: Eles lá reunir-se-ão amanhã, 19 de Brumário, à tarde. A continuação de seus trabalhos ou quaisquer deliberações estão proibidas, onde quer que sejam tomadas, até aquela data.
  • Artigo 3: O General Bonaparte está encarregado da execução do presente decreto; ele tomará todas as medidas necessárias à segurança dos órgãos representativos nacionais... (Aqui segue uma relação das tropas postas à disposição do General). O General Bonaparte é chamado ao Conselho para lá receber a cópia do presente decreto e prestar juramento. Ele agirá de acordo com a Comissão de Inspetores dos dois Conselhos. 
Alguns deputados protestaram contra tais medidas, mas como a maioria estava engajada no golpe, votaram a favor, e assim os dois Conselhos foram transferidos para o Palácio de Saint Cloud, o qual ficava afastado do centro, além de ser um local onde seria mais fácil mobilizar as tropas para o golpe. 

Enquanto tais ordens eram decretadas naquela sessão matutina, na casa de Napoleão no número seis, na rua Vitória, a residência amanhecia abarrotada de de militares. Generais, coronéis, majores, capitães e tenentes, a maioria do exército e alguns poucos da marinha, se encontrava pelo pátio e a sala de estar. Eram pelo menos 40 homens ali presentes representando os regimentos dos dragões, dos caçadores, da cavalaria, dos granadeiros, da artilharia e da infantaria. Todos eram homens envolvidos com o golpe e aguardavam com Napoleão a hora de se dirigirem a St. Cloud para a sessão das 11 horas. Mas além dos militares havia alguns civis entre políticos e os secretários de Bonaparte. 

Enquanto toda aquela gente aguardava o momento de se dirigir para o Conselho dos Anciãos, o Ministro da Polícia Joseph Fouché (um dos mais cínicos dos conspiradores) ia avisar ao presidente Gohier que algo de estranho estava acontecendo. Fouché jogava de vários lados: era aliado de Barras, Bonaparte e Sieyès, mas também agia para Gohier, o qual sabendo da mudança inesperada dos Conselhos para St. Cloud decidiu ficar em casa, pois na noite anterior havia recebido um convite de Josefina Bonaparte para ir tomar café da manhã na casa dos Bonaparte (GOODSPEED, 1965, p. 121).

Não obstante, ainda cedo de manhã, o  ministro Talleyrand e o almirante Bruix foram visitar o general Barras em sua casa. Os dois conspiradores foram no intuito de apresentar ao general os termos de renúncia, o qual foi coagido a aceitar. 

"Em troca de sua renúncia, Tallyerand prometeu a Barras garantia para sua vida e para suas propriedades. A única condição imposta foi de que o ex-Diretor deveria deixar Paris imediatamente, indo para seu Estado, Grosbois, onde ficaria livre para dedicar-se a seus passatempos prediletos, sem ser importunado. Para estar certo de que alcançaria Grosbois a salvo e de que iria imediatamente para lá, o General havia previdentemente providenciado uma escolta de cavalaria, que já estava esperando do lado de fora de Luxemburgo". (GOODSPEED, 1965, p. 124). 

Barras se retirou ainda naquele dia para Grosbois. Um dos cinco diretores, ou mais exatamente, três deles que eram contra o golpe, estava fora do caminho, agora faltava cuidar de Gohier e Moulin. Por volta das 10 horas da manhã, os inspetores Cornet e Baraillon chegaram a casa de Bonaparte, lhe levando uma cópia do decreto aprovado mais cedo no Conselho dos Anciãos; Napoleão o leu e fez uma breve alteração, ampliando a quantidade de tropas que estariam sob seu comando, então se dirigiu para a varanda que dava para o pátio de entrada, onde diante de seus amigos e seguidores, ele teria balançado as folhas do decreto e dito que era hora de partir. 

"Em consequência do trabalho desse dia, aqueles que seguiram o General Bonaparte àquela manhã da rua Vitória às Tulherias, iriam, nos quinze anos seguintes, segui-lo como conquistadores por todas as maiores capitais do continente". (GOODSPEED, 1965, p. 125). 

Após os gritos de viva no pátio da residência Bonaparte, a comitiva deixou a rua Vitória. O enteado de Napoleão, Eugênio foi enviado como mensageiro para avisar o Conselho dos Anciãos de que Napoleão estava a caminho. Enquanto a comitiva de mais de 40 homens seguia com o Napoleão, o que incluía os generais Marmont, Murat (seu futuro cunhado), Lannes, Berthier, Andréosy, Macdonald e o veterano Lefèbrve se uniram a eles. Por onde a comitiva passava, eram aplaudidos e saudados pelas ruas, embora quase ninguém soubesse que aquilo trata-se de um golpe de Estado, mas pensavam que Napoleão ia apenas realizar seu juramento perante o Conselho dos Anciãos. 

Napoleão a frente de seus generais e outros oficiais. 

Antes das 11 horas eles chegaram ao conselho. Lá Napoleão fez um breve discurso e jurou proteger a Constituição e a Nação. Ele foi aplaudido de pé por quase todo o Conselho. Os que tentaram questionar sua presença foram abafados pelos aplausos e o burburinho dos conspiradores. Após o discurso, Napoleão se retirou para fora do palácio, indo passar revista no 9 Regimento de Dragões de Sebastiani, outro conspirador, destacado para manter o seu regimento em posição caso fosse necessário o uso da força (algo que de fato veio a ocorrer). 

Bonaparte passava a revista nas tropas, enquanto aguardava a hora de se apresentar no Conselho dos Quinhentos para propor a saída de Gohier e Moulin, pois Sieyès e Roger-Ducos já aguardavam a ocasião para renunciarem e serem eleitos cônsules ao lado de Bonaparte. Todavia, embora mais de 140 deputados fossem a favor de Sieyès, o restante, principalmente os jacobinos e os monarquistas eram contrários a eles. Os próprios jacobinos seriam usados como bode expiatório, sendo acusados de tramarem um golpe de Estado para tomar o poder e implantar uma "nova república jacobina", como havia ocorrido em 1792, e o resultado daquele governo foi o Terror (1794-1795). Se antes Napoleão havia sido um jacobino, agora ele se mostrava um opositor convicto. 

Após a revista, Napoleão foi se encontrar com os quatro diretores, sendo que Gohier e Moulin indagavam onde estaria Barras, embora que por aquela hora ele já estivesse deixado Paris. Então lhes foi revelada a proposta para que renunciassem ao cargo, mas ambos se recusaram a fazer isso, então Bonaparte ordenou que fossem presos e escoltados para Luxemburgo, onde ficariam sob vigilância do exército até que o golpe estivesse terminado. 

Pelo restante do dia, Napoleão e os conspiradores permaneceram em St. Cloud providenciando as questões burocráticas para a instalação do Consulado. O golpe de 18 de Brumário havia sido realizado, faltava agora torná-lo legal. Como foi decretado a suspensão das atividades dos Conselhos para o dia 18, apenas no dia seguinte é que poderia ocorrer a votação e aprovação pela dissolução do Diretório. 

No dia seguinte, as sessões começaram com atraso pela manhã, mas a demora fazia parte do golpe. A sessão do Conselho dos Quinhentos foi a mais tumultuada (embora fosse o normal), pois principalmente os jacobinos foram os que mais reclamaram das decisões tomadas no dia anterior, além de muitos alegarem que aquilo tudo fazia parte de um golpe. 

Pela tarde, por volta das 14h, o secretário-geral do Diretório, Lagarde apresentou ao Conselho dos Anciãos a renúncia de quatro diretores, o que era uma informação falsa, pois Gohier e Moulin não haviam renunciado. Além disso, ele dizia também que Gohier por ter se recusado a renunciar ao cargo, foi posto em prisão temporária, por ordem do general Bonaparte. A notícia tomou os conselheiros de surpresa, então deliberaram que deveria ser feita uma eleição para se eleger uma nova diretoria. Os conspiradores tentaram contornar isso e propor a criação do consulado. 

Enquanto a questão de se eleger uma nova diretoria era debatido pelo Conselho dos Anciãos, no Conselho dos Quinhentos a notícia da renúncia de "quatro diretores" também tomou os deputados de surpresa. Uma balbúrdia se instaurou. O presidente do conselho, Luciano Bonaparte procurou por ordem na sessão, mas a exaltação era alta. Depois de vários minutos de tumultuada falação, optou-se em eleger-se um novo diretório. Luciano então mandou avisar seu irmão que aguardava impacientemente. 

Retrato de Luciano Bonaparte. Se anos antes Luciano ainda era imaturo quanto a política corsa, agora em 1799, era um dos principais idealizadores do golpe de 18 de Brumário, além de ser presidente do Conselho dos Quinhentos.  

De acordo com os relatos da época, proferidos pelas cartas e memórias de alguns militares e políticos que estiveram envolvidos com o golpe, Napoleão adentrou a assembleia em companhia dos generais Berthier e Bourrienne. Bonaparte estava bastante tenso e ansioso. Dizem que ele foi incoerente e até mesmo chegou a gaguejar durante seu breve discurso. Enquanto não conseguia se explicar claramente, embora tentasse defender o argumento de que um consulado seria uma alternativa melhor do que o diretório, além do fato de defender que a França passava por uma grave crise política, Napoleão foi vaiado e questionado pelos deputados, acabando em perder a paciência e entrar em discussão com alguns deles. Então Berthier e Bourienne acharam melhor retirá-lo dali, antes que pudesse estragar o plano. 

Enquanto Napoleão se retirava do salão do conselho, seu irmão decidiu ler a carta de renúncia do general Barras, que na verdade tratava-se de um documento falso. Enquanto Luciano lia a falsa carta e recebia indagações sobre se o conteúdo era verdadeiro, novamente debates se instauraram, pois alegavam-se complôs, conspirações, golpe de Estado. 

Napoleão retornou alguns minutos depois acompanhado de quatro granadeiros, e ao entrar no salão foi recebido com vaias e insultos. O chamavam de ditador, golpista, traidor, usurpador, etc. Alguns dos deputados mais enfurecidos tentaram agredi-lo, mas os soldados o protegeram e o retiraram. Posteriormente, correu o boato de que tentaram esfaqueá-lo, pois alguns portavam punhais, talvez uma alusão ao assassinato de Júlio César, morto numa traição no Senado, onde ele foi apunhalado até a morte por alguns dos senadores. 

Pintura retratando Napoleão diante do Conselho dos Quinhentos, na tarde do dia 19 de Brumário (10 de novembro) de 1799. 

Os granadeiros retiraram o general de meio daquela multidão enfurecida de deputados. Luciano como presidente tentou recobrar o decoro, mas os gritos e a algazarra eram tão grandes, que a confusão imperava. Acusações começaram a serem proferidas por todos os lados; uns apontavam os dedos para os outros dizendo que eram conspiradores. Luciano transferiu a autoridade para outro deputado e se retirou do conselho. Minutos depois Napoleão tomou a decisão final: usaria o medo. 

No lado de fora, ele chamou seu amigo o general Murat e ordenou que ele enviasse os granadeiros. Murat deu ordem para que o regimento tomasse posição, então os tambores começaram a rufar. O som alto dos tambores da infantaria pegaram de surpresa os deputados que discutiam e os civis que assistiam a sessão, ninguém sabia ao certo o que estava ocorrendo, então Murat deu ordem para que os soldados invadissem o conselho. Vários deputados fugiram, sendo que alguns se jogaram pelas janelas ou foram atirados pelos soldados. Alguns permaneceram em seus assentos, mas dos quinhentos homens presentes, apenas 30 permaneceram no final (GOODSPEED, 1967, p. 160-161). 

Bonaparte entrou com Berthier e Bourrienne, em seguida Luciano reassumiu a presidência do conselho. Outros conspiradores se uniriam nos minutos seguintes. Com a maior parte dos Quinhentos tendo sido expulsa, decidiu-se convocar a votação. O Conselho dos Anciãos já havia aprovado a dissolução do Diretório e a criação do Consulado, agora foi a vez dos 30 deputados do Conselho dos Quinhentos aprovar a mesma medida. A noite de 19 de Brumário havia chegado, e o golpe havia sido concretizado. 

Os irmãos Bonaparte ainda permaneceram mais algumas horas no palácio, cuidando de questões burocráticas, e uma dos assuntos tratados por Napoleão foi redigir um comunicado oficial que foi noticiado nos jornais no dia seguinte, informando sobre o ocorrido nos dias 18 e 19 de Brumário. Napoleão se mostrava ao mesmo tempo em seu discurso como vítima e herói. As mentiras contadas foram repetidas, inclusive noticiou-se uma suposta tentativa de assassinato a sua pessoa; mas Napoleão encerrava o discurso com tom de triunfo, mostrando que havia "sobrevivido" a traição e a corrupção, e agora estava no poder para salvar o país. 

O restante da história continua em Napoleão: da glória ao exílio.

NOTA: Os Bonaparte cortaram ligação completamente com Pascal Paoli após 1795, quando ele voltou para exílio. Embora Napoleão, José e Luciano tenham sido próximos de Paoli, nunca mais voltaram a falar com ele. 
NOTA 2: Os irmãos Bonaparte, todos ingressaram na política ou no exército. Napoleão tornou-se general, depois cônsul e posteriormente imperador. José entrou na política logo cedo ainda na Córsega, após deixar a ilha e se mudar para França continuou na política, sendo também nomeado embaixador por Napoleão. Luciano também entrou na política ainda na Córsega, posteriormente também passou a trabalhar como escritor e diplomata. Luís, seguiu carreira militar e devido a influência da Napoleão, rapidamente alcançou o posto de general aos 25 anos, embora não tivesse de longe o mesmo talento de seu irmão. Luís acompanhou Napoleão nas campanhas da Itália e do Egito. Jerônimo, o filho mais novo, exerceu cargos públicos e políticos, tendo uma participação menor do que seus irmãos no contexto da república francesa.
NOTA 3: As irmãs Bonaparte, todas se casaram com homens importantes. Elisa a filha mais velha, casou-se com o nobre Félix Bachiocci, o qual se tornou Príncipe de Lucca e Piombino (cidades italianas); Paulina casou-se com o general Charles Leclerc, o qual faleceu poucos anos depois, então Paulina casou-se com Camillo Borghese, 6 Príncipe de Sulmona. Carolina, a filha mais nova, casou-se com o general Joaquim Murat, amigo de Napoleão, e um dos nomes por trás do golpe de 18 de Brumário. Após a morte e Murat, casou-se com o general Francesco Macdonald, também envolvido na conspiração de Brumário. 
NOTA 4: O nome de batismo de Napoleão era Napoleone di Buonaparte, nome de origem italiana. A partir de 1796, Napoleão passou a assinar: Napoleon Bonaparte, como forma de desassociar seu sobrenome da origem italiana, e defender uma origem puramente francesa. 
NOTA 5: Embora fosse um jacobino desde 1791, Napoleão não foi a favor da execução do rei Luís XVI e da rainha Maria Antonieta, embora era contra a monarquia. Inclusive vários anos depois, ele negou apoio a Luís XVII e Luís XVIII. Não obstante, após o final do Terror em 1794 e sua carreira esteve por um fio naquele ano, devido a sua filiação aos irmãos Robespierre, Napoleão cortou ligação com o partido, não sendo a toa que em 1799, ele usou os jacobinos como bode expiatório para o golpe, os acusando de serem os responsáveis por um novo golpe. 
NOTA 6: Eugênio de Beauharnais atuou como um dos secretários de Napoleão ao longo dos anos, o que incluiu acompanhá-lo em algumas de suas campanhas. Eugênio não exerceu grandes funções antes da época do reinado de Napoleão, quando foi feito príncipe e vice-rei da Itália. Por sua vez, sua irmã Hortênsia, casou-se com Luís Bonaparte, embora a contra-gosto. 
NOTA 7: Napoleão é um personagem recorrente da série de jogos Civilization.
NOTA 8: O filme Napoleão (2023) em sua primeira metade apresenta um resumo da ascensão de Bonaparte entre 1793 a 1799, mostrando sua atuação durante o contexto da Revolução Francesa, destacando sua vitória em Toulon (1793), a campanha do Egito em 1798 e o golpe 18 de Brumário. 

Referências Bibliográficas: 
BLANNING, T. C. W. Aristocratas versus Burgueses? A Revolução Francesa. São Paulo, Ática, 1991. 
BLUCHE, Fréderic; RIALS, Stéphane; TULARD, Jean. Revolução Francesa. Porto Alegre, L&PM, 2009. 
GOODSPEED, D. J. Baionetas em St. Cloud: a história do 18 de Brumário. Tradução de Maria Clara Forster. Rio de Janeiro, Editora Saga S.A, 1968. 
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: 1789-1848. 25a ed, São Paulo, Paz e Terra, 2010. (Capítulo 3: A Revolução Francesa). 
MARKHAN, F. M. H. Napoleão e o despertar da Europa. Tradução de Affonso Blacheyre. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1963. 
RIVOIRE, Mario. The Life & Times of Napoleon. Itally, Curtis Books, 1967.